domingo, 30 de novembro de 2008

O que há num nome?

“what’s in a name?”
(William Shakespeare, in Romeo and Juliet)
Sou melodia de cítara
Sou musa dançando nas ondas
Sou flor em ramo de princesa
Sou sorriso em rosto de criança
Sou raio de sol doirado
Sou pedaço de luar
Sou folha branca de papel
Sou nenúfar numa tela
Sou tudo isto e muito mais
No entanto
Apenas respondo quando chamas o meu nome.

Espera, cheira-os.


----------------------------------------"what's in a name?"
-----------------(William Shakespeare, Romeo and Juliet)



Existe a lágrima
o sal, a janela, o vento.
Existe o pássaro de olhos negros
e as minhas folhas caídas.


----------------------------------------Existem para além de ti.
----------------------------------------Existem sem os chamares.
----------------------------------------Mas se mesmo assim os queres
----------------------------------------esbugalhados na tua mente
----------------------------------------não os olhes de frente.
----------------------------------------Espera, tira-lhes as medidas.


Existem as Marias das padarias
e as de linhagem real
Existem segredos guardados
nas folhas antigas de um jornal.


--------------------------------------Cada um vive escondido
--------------------------------------dentro de um cristal suspenso
--------------------------------------de infinitos planos polidos
--------------------------------------que reflectem o branco imenso
--------------------------------------em civilizados sentidos.


Existe o riso
o mel, a porta, o calor.
Existe o pássaro de cores vivas
e as verdes folhas nascidas.


----------------------------------------Invoca-os com a alma e espera.
----------------------------------------Eles surgem de repente,
----------------------------------------na forma e género humano,
----------------------------------------às vezes gastos e vãos
----------------------------------------vindos de um percurso insano,
----------------------------------------nunca sós, nunca sãos,
----------------------------------------mas vivos, vivos certamente.


Existe a cor
do pássaro de olhos negros.
Existe o vento e as lágrimas
das famílias de reais segredos.


----------------------------------------Deixa-os chegar devagar
----------------------------------------observa-lhes as cores da cauda
----------------------------------------como a um rasto de um cometa,
----------------------------------------sente-lhes a insinuação.
----------------------------------------Destrinça-lhes o passado
----------------------------------------os voos rasantes aos sentidos
----------------------------------------as colisões e os seus gemidos.




-----------------Sente as fusões que levam nos genes
-----------------de tantos outros suspensos cristais
-----------------Espera, saboreia, cheira-os.
-----------------Não há dois nomes iguais.

Tigre de Ouro

Tigre de Ouro


"O único mistério é haver alguém que pense no mistério"
Fernando Pessoa



Lorde protector: Escrevo-te para dizer que os teus castigos não chegam aos calcanhares dos humanos.
Desculpa a sinceridade mas tenho todos os homens dentro de mim, todos eles dizem que:

Os teus prazeres são tão pequenos, as tuas frutas e flores não produzem drogas suficientemente fortes - precisam de ser modificadas pelo homem para provocar alucinações verdadeiras
E as plantas e as plantas...


O azul do céu mete-me nojo, – Tal como Papini toda a natureza me mete nojo
Esvaziem o Atlântico de mar e encham-no de lobos - Que todo o mar uive -
Que todo o mar chore - As plantas - usem-nas para enforcar os poetas e que Ovídeo


De todas as figuras de estilo a hipérbole é a que menos me enoja …
Tal como Zaratrusta tenho medo de me partir ao meio,



E Não viverei tempo suficiente para ver a musa de Clio a fritar as pernas aos historiadores pouco metódicos, antes disso arrebento de tanto acreditar no Homem

Tal como Galctus a minha fome não se sacia nem com uma galáxia inteira, principalmente depois de saber que dois corpos nunca se tocam…

E para quê O mito do eterno retorno
Se amanhã voltará a haver rojões à portuguesa?

não descansarei enquanto não for inventada uma cadeira eléctrica que aproveite o uso das marés para produzir um choque tão forte e intenso que nunca mate - mas que frite lentamente - durante mil anos - Os corações dos poetas atirem-nos aos porcos
e com os seus versos embrulhem as bolas de berlim

----------------------------------------------------------------------

Amo a inutilidade - A desintegração --- tudo que é inútil me excita violentamente

Estou triste tristíssima - por não ser a Suécia inteira
e choro lágrimas de sal que chovem sobre Copenhaga - Tapo o Sol com as minhas mãos de nuvem e trago a tristeza ao mundo...


Amo-te por seres incompleto LORDE - Por ter de ser o homem a criar-te!
Ele - Quem - Onde? - Foda-se amo-te mesmo! Tal como Sarah Kane -
amo-te mesmo - amo-te mesmo - amo-te mesmo Foda-se...


Violeta de Gand, 2008

O que há num nome?

"what's in a name?"
(William Shakespeare, Romeo and Juliet)
O que há num nome?

Beleza, matéria, poema em verso
Feito de todas as partículas do Universo
Por que chamar, a que apontar
O que tocar, por quem chorar.

Caleidoscópio, borboleta, magnólia
Uma canção que ecoa no interior
A palavra saboreada como arte
O nome de alguém para depois chamar amor.

Os grandes nomes da História
Gravados nas armas da pedra secular
Numa vénia nos dobramos a honrar
Ou lutamos, questionando sua glória.

Mas os nomes e o sangue: tudo parece pesar!
Seja rei ou marinheiro feito ao mar
Dizem que herdamos das estrelas nossas veias
Que o passado nos apanha em suas teias.

Nome, estirpe, marcação de um ponto
Porto seguro, amor despido, protecção
Ou será grade, fenda, muralha, subtil prisão,
Tentáculos de polvo, estranhos num encontro?

Como Capuletos e Montecchios: são dois nomes!
E assim se dividem sempre as gentes
E as almas onde ficam? Uma voz a perguntar
Se “Toda essa gente já desapareceu, nem uma para semente.”

Capuletos e Montecchios são dois nomes
Em duas almas a querer se transformar
E são tudo, laços, destino, noite, alvorada
São nomes, são tudo e não são nada.

sábado, 29 de novembro de 2008

sem nomes paralelos


Matisse

..........................."What's in a name"
........................................Romeo and Juliet


não tive cão só gatos -

que ronronam pelos colos lentos
descolados de pestanas
envolvidos de novelos
e que em lambidos cor de rosa
alisam mimos macios pêlos -

não tive cão só gatos -

que saltam muros e telhados
na elegância única felina
de dorsos de montanha
e que em uivos cativos
afiam as garras nos gemidos
das cascas, árvores inscritas
dentro das casas, nos sofás
e em festas de patas descuidadas -

não tive cão só gatos

em brincadeiras de iguais
rolando pelas carpetes
levantando-se como setas
e ficando parados, estudiosos
olhos de lente, orelhas de pedra lascada
focos e faróis
sempre alerta nos sinais -

não tive cão só gatos

história antiga junto ao mar
numa tenda prisma azul;
entre árvores de pinhão
e a fuga de segredo
numa praia de Verão:

"Adidas" de calções e "Kini" perdendo o "bi"
às flores
azuis, amarelas, laranja
e melão às fatias no sumo da manhã
sem toalha nem mesa
onde migalhas sem pressa
planavam até às relvas do chão -
muito depois do meio-dia
o fogareiro a gás entrava na dança
no vapor constante
de uma dura depois mole massa fina
e saladas vegetais
de alface e baldroegas
originais, puras, no rodízio
das palavras, dos carinhos
das metades, em cima, em cima
em baixo, em baixo, de lado
ao lado, adornadas numa crista
de estrelícias, rosas livres de espinhos
aromas silvestres
desafios tacteados de sentidos
sem nomes paralelos,linhas coincidentes -

não tive cão só gatos

delicados no desvio de obstáculos
no cimo dos móveis, contornando os retratos
as molduras dos fatos
vestidos longos, bigodes fartos
e nas portas das casas, nos jardins
ou em baptismos de toucas e laços
rendas largas -

não tive cão só gatos

encontrei-os ao Domingo.
na base alteada de raízes
um pouco de cartão canelado
dois nados perdidos de mãe
fracos, aflitos no miado
um de branco uma de selva
e ambos gémeos no tamanho.
salvou-os o "Corsa" castanho
de aileron e o mini-biberon
de tetina dourada -

ele e ela, os dois, sem nome -

não tive cão só gatos -

ao pôr-do-sol do último dia
sairam os pregos do pinhal
caiu o pano impermeável
ficando oculto o rádio portátil
no interior, pendurado -

anos depois
cresceram os gatos, ele e ela
juntaram mochilas, ele e ela
roubaram os nomes à peça antiga
e houve mais gatos, dele e dela -

não tive cão só gatos -

desceu o pano, sentou-se o ponto
fugiu a cena no teatro sem nome
de uma cidade anónima onde se estende a manta

e os retalhos da memória -

josé ferreira

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Nesse lugar especial

Tenho nome de princesa
quando me chamas
e sabor a ambrósia
quando me provas
sou o mais frágil cristal
quando me tocas
e a essência mais rara
quando respiras
sou poderosa Circe
quando me enfeitiças
e o mais doce bago
quando me beijas

...mas na tua ausência torno-me eclipse.

Guardei uma praia no fundo de um frasco de vidro com tampa

A praia pegou fogo
O sol deixou o céu azul
Alaranjado
As chamas de fim de tarde
Pintaram o areal.

O mar cantou uma canção para mim
Dancei com as ondas
Embalada pelas marés.

Mergulhei com as baleias brancas
Flutuei com as algas
Hesitando
Entre o destino da areia
Certo
E a linha do horizonte
Ao fundo
Onde se escondem as sereias e os capitães
Outras praias e outras coisas
Que não vejo.

Quis agarrar o momento
Como se faz a um punhado de areia nas mãos
Mas desfazia-se, todas as vezes,
Como a espuma que quebra nos rochedos
E desaparece
Como só num sonho pode ser.

Mas eu teimei.
Trouxe o salitre
Agarrado à minha pele
Trouxe o tom doirado
Dos raios límpidos da tarde
Do sol que me aqueceu a infância.

Trouxe os pedaços das conchas
Que o mar esculpiu
E búzios
Para me cantarem a canção do mar
Junto ao ouvido
Nas tardes longas e húmidas
Do Inverno da minha vida.

Guardei pedaços de uma praia
No fundo de um frasco de vidro.
E tapei-o.

Mas as coisas nunca são como as sentimos.

Na praia deixei,
Espalhados,
Restos de mim.

Por entre os cactos nas dunas,
Na ponta do anzol
Dos pescadores
Que se abrigam nas rochas,
Nas pegadas da areia
Que o mar escondeu,
No voo das gaivotas
Assustadas,
Em cada pôr-do-sol,
No riso das crianças,
No fundo de um balde
De caranguejos, lapas e mexilhões.

A vida é feita de pedaços.
De papel
De palavras
De pessoas
De encontros e desencontros
De música, vento e sal
De outras coisas
De lugares
De uma praia como esta.

Deixei o meu coração na praia
Que chorou por mim
No orvalho das manhãs frias e distantes.

Guardei a praia num frasco
Para não me perder de mim.

Por vezes,
Olho-a na estante,
Apertada no vidro do frasco com tampa,
Mas não me encontro.

É que afinal:
Mergulhei,
Agarrei,
Trouxe pedaços da praia comigo
Que guardei no fundo de um frasco de vidro com tampa,
Mas deixei lá
Nessa praia
Fragmentos de mim
Também.

É na linha do horizonte
De um céu rosado de final de tarde
Que estão guardados
Todos os sonhos da minha alma.

Elza

Obrigada Nuno, o outro, e Raquel, e José, e afinal, também, todos os outros poetas deste blog, por me terem inspirado a "poesiar" sobre um "lugar especial" muito meu. Obrigada Ana Luisa por ser o grande motor deste grupo de poetas e projecto de poetas e, sobretudo, de ensinar, e de ensinar a descobrir! (Ponto de exclamação, sem dúvida, e reticências, mas só imaginárias, para mim, por tudo aquilo que gostaria de escrever, mas fica ainda por dizer.)

Lugares Especiais

Olá a todos. Foi inaugurada uma nova etiqueta - ou, se quisermos, um novo tema - que surgiu de um desafio que o Nuno colocou no espaço de comentário ao seu poema "Um outro olhar... (7)". O convite é muito bonito e diz assim:
«Hoje, antes de regressar "ao asfalto", lembrei-me deste "lugar especial" onde tenho de ir mais vezes. A propósito, este também é um tema interessante. Quais são os vossos "lugares especiais"? Que escreveram acerca deles? Fica o desafio...»
Eu já respondi! E para todos os que queiram embarcar é só usar a etiqueta 'Lugares Especiais', para que possamos todos visitar os lugares especiais uns dos outros.
Até breve,

Raquel Patriarca
vinteeoito.novembro.doismileoito

Eu Estive Lá

eu estive lá, toquei e cheirei…
o planalto de Gizé, as ilhas do Pacífico, o cume do Everest, o deserto do Saára, as margens do Amazonas e do Mississipi, o Pólo Sul, o Jardim do Éden, a Terra Média, a Lua…

eu conheci…
Platão, Cleópatra, Gagarin, o Papa Bórgia, o Rei Artur, Alexandre Magno, a Madre Teresa, Romeu e Julieta, D. Quixote, Sherlock Holmes, Harry Potter…

eu vi, eu senti…
a Cidade de Deus de Santo Agostinho, os Astros de Galileu, a Monalisa de Da Vinci, a Nona do Bethoven, a Utopia de Thomas Morus, a estratégia de Maquiavel, o Beijo de Klimt, o Nome da Rosa de Umberto Eco…

eu vivi, eu chorei e ri…eu li…


Raquel Patriarca

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Dizem que não sabiam quem era

what’s in a name?
"William Shakespeare, in "Romeo and Juliet" (c. 1595)

Usava roupa como a noite escura
Voltava a tempo do telejornal
Passava pelos rostos com candura
Sonhava em morar na marginal

Pintava a cara logo de manhã
Subia a saia como quem procura
No pescoço a velha marca da maçã
No peito um só rasto de ternura

Soltava a dor só pela ranhura
Prendia o olho de escorrer de sal
Fingia ser actriz de uma aventura
Diferente ou de frente e tal e qual

Sorria os lábios feitos de amanhã
Tardava um sorriso ao fim do dia
Trincava quatro amores e uma maçã
Trazia restos de uma noite vazia

Foi vista última vez no tal café
Cruzava a perna em laço de presente
E antes que alguém dela desse fé
Gastou-se no meio de toda a gente

Vertia roupa como a noite fria
Trazia os lábios postos na manhã
Despia a saia como quem queria
Adão e a velha marca da maçã

Brindava à dor só por mais um dia
Fechava o olho a escorrer de sal
Pisava os restos com melancolia
Pintava a cara no último ritual

Mordia os beijos gastos no divã
Tardia num sorriso inacabado
Tomava quatro amores e uma manhã
Soltava a dor com cheiro a guardado

Foi vista última vez com o tal batom
Atava a perna em laço de presente
E antes que alguém emitisse um som
Calou-se no tal café de tanta gente

Poeta ausente poema ao lado

Ontem acordei a meio da noite (4hOO) com algumas frases na cabeça.
Não consegui adormecer com receio de as perder. Não sei se fiz bem
ou mal, mas surgiu este poema como dedicatória à nossa escrita criativa,
e a todos vós com a nossa "Prezada Mestra"... Amiga ( não resisti
a pôr umas reticências! ), aqui vai ele:



Poeta ausente poema ao lado



Dissecar. Abrir o poema.
Os versos despidos.

O autor presente.
A procura de caminhos da Nascente
entre fragas e salgueiros, a água
corrente, degelo estalado, caldo
e as gotas do orvalho no acordar
da manhã, estremunhado.

O poeta ao lado.
As letras, metáforas, suspensão
parada de segundos e de novo
vários eles descendo a encosta,
passando junto à casa de tábuas
sem portas; a escada por fora
janelas na entrada.

Alguém diz: - São mais bonitos
os cadernos, as argolas mais a
jeito. Não há quadriculado.
Brancas as folhas, os poetas.
Lembram-se: A Tabacaria.

O poema ao lado.
Aliviado. O poeta diz:"- Não é
costume desmontá-lo."mas tenta-se,
desfia-se, desaperta o cordão
assenta as emendas nas linhas,
"âncora",alisa a renda,caricia
o bordado.

O poeta revelado.
Aguém se acomoda, foge a cadeira,
o guizo dos ruídos interrompe o
juízo. A sala é de ideias régias
a mesa oval,na pintura da parede
desvela-se um pedaço de tela,
a falha no óleo granizado.

E o poeta alheado.
Olha para o chão, escuta, procura,
a ínfima partícula, a premonição:
não ter usado a palavra certa;
a estrofe manca, a ideia fraca,
as reticências, um ponto final.


A vela acesa.

Não é távola nem redonda, mas há quem mande.
Não há malhas, nem elmos, nem espadas.Os
cadernos, as canetas, nas mãos ao lado
e os espaços brancos das palavras moças.

Dez mais dez
ouvidos pendurados, no elevador dos guardanapos;
sobem e descem nos lábios dos versos,
à mesa dos poetas.

E ele ausente.
Guardando um pouco o segredo,
da musa e da semente!

Quem pode livre ser, gentil Senhora

Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juízo sossegado,
Sabei que por vós fico assustado,
E preso estou desde a primeira hora.

A vida não é como era outrora,
Vivia descontente e enganado,
Tudo mudou, nada é tão cerceado,
Quero ter-vos comigo sem demora.

Vinde sem medo, vinde, meu amor,
Fuja, pois, de vós a sagacidade,
E vinde endoidecer-me o meu calor.

Ser preso é ser livre, é a verdade,
Do amor tão dual a que vos chamo,
Sede, amor, razão em liberdade.

Elza*José Almeida da Silva*Raquel
26.novembro.2008

The Patriarch

"what’s in a name?"
William Shakespeare, in "Romeo and Juliet" (c. 1595)


Some signs, a word, a sound
A context in which I’m found

One framed photograph in shades of black and white
The endless singing embrace on a long feverish night

Grey hair gently divided by a thin comb
Wide opened arms, welcoming me home

Caring eyes, deep and wise, looking after me
Feeding the present with their far memory

Heavy, holy like, lines across a familiar face
Meandering map roads pointing to this one place

A big cold stone where I sit and watch the trees
Voids that hurt so I curl up and hold my knees

A learnt by heart book of incredible stories
A newborn hope for great and future glories

Unspoken thoughts in a glance shared with others
The witnesses of my life: my sisters, my brothers

A root, a roof, a race. A sea world wide long
Breaking on the shore where I feel I belong

Unified as an infantry army, protective as the wolf’s pack
A gang that will always take me, unconditionally, back

One collective soul and one state of mind
Divided in parts we can all secretly find

This is my name, this is my ground
The life’s concept to which I’m bound


R. Patriarca
twentyseven.november.twothousandandeight

Poesia no Café Progresso




quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Trabalho em grupo

Deram-nos o fim, procurámos a história de verso,
de reverso e ao inverso.
Afinal eram dois e não só um e o resultado
foi assim:


I

O diário de bordo

Não havia qualquer razão para viajar.
A cidade asfixia.
No meio do mar não há fumos
apenas a clarabóia do céu límpido
e as memórias
da semana antecedente.

Ficaste do outro lado das ondas
nos limites da praia.
Fecho os olhos vejo o cais
na despedida lenta,
o rosto de pomba,
o vestido a regressar.

De volta ao convés, reabro
o diário de bordo. E o barco
continua parado
no oceano sem porto.



II


Olhar nas janelas


Vida chata esta!
Estação negra das baratas;
bicho feio!

Milhares de gente
carregando farneis,
nos sacos, nas cestas,
nos gritos desalmados
das almas pequenas
de poucas razões.

Não quero os lugares,
as vozes múltiplas.
Antes o vazio do assento.
Ser, de olhar nas janelas,
saltimbanco de olhos vendados,
sem vara e sem cautelas,
o comboio e nós dentro.


António e José

Desculpem o atraso!

No interior do meu peito
despeço-me do que
o meu amor não tem.

Até a voz do mar se torna exílio
neste momento em que me deixas dormindo
recusando o que é desfeito,
o que é passado de tão partido.

Partes sem dar importância nenhuma
à porta que se fecha, ao livro esquecido,
à cama que morre muda
na imensidão de lençóis perdidos.

O meu olhar é como um girassol
plantado nas tuas costas nuas
e a luz que nos rodeia é como grades
prendendo-me onde me não escutas.

[Nunca são as coisas mais simples que acontecem
quando as esperamos.]

Um outro olhar...(7)


“a praia do molhe…”

seria uma praia como outra qualquer
se não fosse a minha praia
aquele lugar especial
aquele lugar que não esquecemos nunca

seria uma praia como outra qualquer
se não tivesse sido aqui que cresci
e aprendi a gostar das pequeninas coisas da vida
olhar para o sol de inverno, molhar os pés na água fria

seria uma praia como outra qualquer
se não fosse aqui que eu volto sempre
para chorar ou para rir
para sonhar ou simplesmente para estar

seria uma praia como outra qualquer
se não fosse a minha praia
aquele lugar especial onde eu volto sempre
para recordar

seria uma praia como outra qualquer

PEDIDO DE DESCULPAS (e bem-hajam)

Antes de mais nada, quero dizer:

Bem-vindas e bem-vindos à nova edição do Curso de Escrita Criativa! E o meu abraço. A quem não pôde vir, mas está aqui no blogue, na alegria da escrita e da partilha, e para sempre na minha memória, o meu abraço também!

Depois, dizer ainda:

Peço muita desculpa por não ter feito comentários aos trabalhos, mas tenho estado doente. Vou tentar fazê-lo amanhã, se conseguir, mas tenho um dia complicado... Se não me for possível, imprimo os textos e falamos sobre eles na primeira meia hora.

Bem-vindos a uns, pois. Bem-permaneçam aos outros. E a todos e todas: bem-hajam!

Outro abraço,

ana luísa

terça-feira, 25 de novembro de 2008

FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ANDRADE

DEBATE SOBRE BLOGUES DE POESIA

No próximo sábado, dia 29, pelas 18h30, os poetas Inês Lourenço, João Luís Barreto Guimarães e Jorge Reis-Sá, que têm estado ligados a blogues de poesia, irão falar na Fundação Eugénio de Andrade da sua experiência bloguística e discorrer sobre a importância e as funções dos blogues de literatura.
A entrada é livre.


FUNDAÇÃO EUGÉNIO DE ANDRADE
Rua do Passeio Alegre, 584
4150-573 Porto

Clube Literário do Porto

QUARTAS MAL DITAS
“Cafés da minha preguiça”

Dia 26 de Novembro, pelas 22:00, no Piano Bar do Clube Literário do Porto, a
próxima sessão das Quartas Mal Ditas de Anthero Monteiro está subordinada ao
tema “Cafés da minha preguiça”.

Com leituras por António Pinheiro, Isabel Marcolino, Joana Padrão, Luís Carvalho,
Mário Vale Lima , Marta Tormenta e Rafael Tormenta.

Na sessão vão estar ainda presentes os escritores convidados Manuel António Pina,
Álvaro Magalhães e Tomás Carneiro (editor da Revista Um Café).
.
c l u b e l i t e r á r i o d o p o r t o aberto de segunda a domingo, das 13h à 1h
Rua Nova da Alfândega, 22 4050-430 PORTO Telefone 222 089 228

Nove Versos Soltos Mais Três Acrescentados

O meu olhar é nítido como um girassol,
e o meu amor não tem
importância nenhuma…
vi-o através de uns olhos que não me pertenciam.1
Nunca são as coisas mais simples que aparecem
no interior do meu peito,
onde até a voz do mar se torna exílio, de
homens que são como lugares mal situados
.2
Recusando o que é desfeito,
e a luz que nos rodeia é como grades
quando as esperamos.
Sempre o impossível tão estúpido como o real.3


1 Partida, Manuel António Pina
2 Homens que são como lugares mal situados, Daniel Faria
3 Tabacaria, Álvaro de Campos


Raquel Patriarca
vinteecinco.novembro.doismileoito

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Diário repetido

Procurei a caneta de tinta permanente
sem a querer encontrar... de frases
provavelmente tristes, sempre tristes,
cansadas de serem tristes..
encontrei-a no pôr-de-sol da vila flácida,
deserta, num final de jogo de bola...
as vozes de uma rádio festival
lançavam ruídos estridentes,
minhotos, amassavam as dores
expandidas, maiores, mais sentidas
no lado esquerdo do bolso
da camisa.

Um diário repetido, sem surpresas,
reflexo dos sentidos contrários,
cinzentos, nublados que me cruzaste
sem o calor dos lábios, na despedida.
Cada um no seu caminho, qual o certo?
o necessário? o verdadeiro?
E que interessa afinal, se o resultado
já é cravado, na pele, num martírio
apertando sempre, o ventre vazio?

Guardo de novo a caneta de tinta permanente
no lado esquerdo do peito
no bolso da camisa...
e nada escrevo
tudo é aquilo que tem que ser!

Não há "fórmula de Deus", não existe.
poderá ser energia o Universo?...
um bater de asas de borboleta
no campo recatado, escondido...
dilúvio no oposto Oceano, um tsunami
de casas de papel, de tornados,
de ventos revoltados... e porque não
só, um bater de asas parecendo simples,
sem nenhuma consequência, ou então...
talvez...tão permanente... no outro lado
do destino, na meia-lua terrena,
algo de diferente, voando nós,
sem a graça, no mesmo ar da borboleta?

Saí como entrei no café antes vazio,
agora cheio de gente...e eu
de alma perdida...

Pés de chumbo, desaperto o cadeado,
guardo a chave, liberto a roda,
de bicicleta parto à procura do mar...

Levo a caneta de tinta permanente,
no bolso da camisa
junto ao peito,
e dentro uma alma de poeta,
atenta!

A luz que se perdeu quando a mulher a deu

De olhar longo ao açúcar
esguio entre panelas flácidas
Ela fia o ninho e espera
suspensa cumpre e prolifera

Atrás do avental de ferro
de lado na terra em guerra
Ela suga o mel da serra
e cura o bicho que lhe chega

Às vozes surdas de medo
que gritam atrás dos muros
Ela sempre foi dando à luz
trilhos lentos e seguros

Hoje da espera delibera e
até a voz do mar se torna exílio
da raiva que aos gatos confessa
à hora do chá de concílio:

“A lua que nos rodeia é como grades
fluímos em extensões do sol e
tal como os das minhas irmãs
o meu olhar é nítido como um girassol!

Mas a visão que é nossa e dos gatos
não tem importância nenhuma
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

E o meu amor não tem
dessa luz a que te dei no leito
para ti que és de entre cegos
o que se sente mais que perfeito.”



Joana Espain

Um outro olhar...(6)


“o direito à (in)diferença...”

quem seremos nós?
e quantos estaremos aqui a fazer amor?
seremos mulheres ou homens?
seremos dois, três ou quatro?

mas, que interessa isso se estamos bem?

todos dizem que temos o direito à diferença
a nós que só queremos
apenas
ter o direito à indiferença

Tonto de amor

Cantavas à janela de Maio florido
Olhando o céu de luz inebriado
E, por fundo, um imenso azul de alegria.

Do canto me ficou em suspenso o que dizia:
“O meu olhar é nítido como um girassol”
– Talvez um eco da alma que te habita!

Sustendo a minha solidão indesejada,
Ouvia-te cantar, distanciada, sonhos
Onde eu já não cabia, e cuidava:
“Nunca são as coisas mais simples que aparecem
Quando as esperamos”.

Eu anseio, meu amor, as rosas do coração,
Rosas fortes como as mãos e sangue da emoção,
“recusando o que é desfeito
No interior do meu peito”.

Mas foi-se o teu canto para dentro
E tu seguiste-lhe os passos, ficando-me a luz assim
No horizonte lá longe como um muro de cetim –
Um rumoroso silêncio dentro de mim a ecoar:
“Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades”
– Coisa, meu amor, que tu não sabes.

E eu desfiei as memórias, tão felizes, uma a uma,
E fiquei triste e fiquei só como fica um girassol
Tonto de amor pelo Sol escondido atrás das nuvens,
Tudo porque descobri, e sem mo dizer ninguém,
Que “O meu amor não tem
Importância nenhuma”.
Até mesmo para ti!...


2008.11.20
José Almeida da Silva

1º Trabalho de casa II

O meu olhar é nítido como um girassol;
surpresas e confusas só as folhas
nos gestos recusando o que é desfeito,
flor de círculos descompondo a Natureza
revirando rosto de abelhas,
pétalas chama de cabelos,
no crepúsculo deciso dos poentes!

Nunca são as coisas mais simples que aparecem,
aos futeis, vulgares, distraídos,
imaturos eremitas parasitas de sinais...
redondos, concretos, cinzentos, inequívocos de ocasos
nos limites, nas fronteiras dos Invernos, dos Estios;
frios, muito frios... quentes, calores demais!

Quando não se conhece a Primavera
nada se escuta, nada se vê ...
até a voz do mar se torna exílio!

Belas são as flores, os rosas dos flamingos,
os bagos de romã, os voos da cotovia,
os restos dos ramos nas camas dos ninhos
das aves, quando as esperamos
antes dos frutos, nas beiras dos caminhos.

Nos campos de girassol
o meu amor não tem o medo dos grãos,
das mãos terra de raízes;
afasta as mousses dos vestidos
descobre-se na descida dos caules
transparece sorrisos de semente
no interior do meu peito.

Belos são os ventos, as melodias, os bailados
das folhas, dos ouriços dos castanhos...
e os dois corpos, longe dos olhos
estranhos, presos nos seus
sussurros de ventres, desejos repartidos...
e o sabor silvestre das amoras,
os figos de mel por entre filtros
de caruma...
a brisa do fundo da terra
que inebria de sopros, apruma,
a nitidez do girassol...

Nada mais tem
importância nenhuma!

domingo, 23 de novembro de 2008

A poesia não se explica...

Aos meus amigos poetas, deixo o testemunho de um grande poeta...


"Não sei falar de literatura. Não sei falar de poesia. Sobretudo não sei se a poesia tem alguma coisa a ver com a literatura. Talvez esteja antes ou depois da literatura. Sei que a poesia não se explica, a poesia implica, como costuma dizer a minha amiga Sophia de Mello Breyner. Sei que a energia, como diz o meu amigo Herberto Hélder, é a essência do mundo e que “os rit­mos em que se exprime constituem a forma do mundo". Sei, como o poeta russo Mandelstam, que "escrever é um acontecimento cósmico". E que cada palavra é um pedaço de universo. Ou como dizia Klebnikov: "Na natureza da palavra viva, esconde-se a matéria luminosa do universo." Talvez tudo isto seja a poesia. Ou talvez ela não seja mais do que o primeiro verso, aquele que nos é dado, como sempre dizia Miguel Torga, porque os outros têm de ser conquistados. Talvez tudo esteja nesse primeiro verso, que é o instante da revelação e da relação mágica com o mundo através da palavra poética. Talvez o poeta, afinal, não seja muito diferente daquele sujeito que vemos nas tribos primitivas, de plumas na cabeça, repetindo palavras mágicas enquanto dança e pula ao ritmo de um tambor. O poeta é esse feiticeiro. Dança com palavras ao som de um ritmo que só ele entende. Ou é talvez o adivinho. Como já não pode ler nas vísceras das vítimas, procura decifrar os sinais dos tempos através de múltiplos sentidos ou dos semi-sentidos da palavra. De qualquer modo, como nas sociedades primitivas, que tinham uma concepção mágica do mundo, o poeta de hoje é como esse xamã antigo que, através da repetição rítmica de palavras e imagens, convoca as forças benfazejas ou tenta exorcizar as forcas maléficas.
A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul, como diz o meu amigo José Manuel Mendes. Uma encantada, encantatória e desesperada tentativa de captar a essência do mundo e de, através da palavra, "mudar a vida", como queria Rimbaud. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
A poesia é também a língua. E para mim a língua começa em Camões, que tinha uma flauta mágica. A música secreta da língua. A arte e o ofício da língua e da linguagem.. Nem foi por acaso que Dante chamou a Arnaut Daniel "il migiior fabbro". O poeta, dizia Cioran, "é aquele que leva a sério a linguagem". E o que é levar a sério a linguagem? Eu creio que é estar atento aos sinais. Os sinais mágicos da palavra. Os sinais da essência do mundo que por vezes se revelam na palavra poética. Ou talvez o duende e aquela ferida de que falava Lorca. Porque o poeta traz em si uma ferida e o duende por vezes ouve "sonidos negros". É então que a poesia acontece.
Isto é o que sei de poesia. Talvez seja muito pouco. Mas não sei se é possível saber mais."

Manuel Alegre

1º Trabalho de Casa II - Renascer

Ecoam gritos de nós no silêncio
E a luz que nos rodeia é como grades
O sol mergulhou ao fundo nas águas
Escondeu-se
Como eu de ti.

As sombras crescem
Levam-me para longe de nós
A natureza lá fora adormecida
É testemunha
Até a voz do mar se torna exílio.

Quero correr para ti
Mas…
O meu amor não tem
Importância nenhuma
E nunca são as coisas mais simples que aparecem
Quando as esperamos.

Agarro-me a essa muleta que é o tempo
Que tudo cura, tudo desfaz
E perco-me na imensidão do escuro
Aguardo o passar das horas
Esse remédio
Adormeço.

A luz do sol ergueu-se, límpida
Cravou-se em mim
Não sei onde estás
Mas eu renasço
O meu olhar é nítido como um girassol
Enterro os pés nos grãos de areia das dunas
Caminho sem destino
Sem ti, sem mim
Caminho,
Sorrindo
Recusando o que é desfeito
No interior do meu peito.

Poesia de grupo

O meu olhar é nítido como um girassol
Olhando o sol a divertir-se
Iluminando o campo docemente
E em mim correndo como a lua.

É olhar translúcido, e não te vê.

Há montes e vales e planícies,
Há nascentes e rios e mares de prata
Onde os girassóis se banham com o sol
Na nitidez pintada da aguarela.

Vieste assim da cor que te pintei
Olhando para mim como ao sol o girassol
E eu fitei-te no meu deslumbramento.

Elza G.D. e José Almeida Silva

Coisas que partem e fogem

Quando sem engenho
Em ti me empenho
O verso não pulsa
A imaginação entope
Não há circulação
Há coisas a fugir
Esvaem-se em letras
As palavras mancas
Que tentam pintar
Ideias brancas
O cérebro estanca
O que o alimenta
Recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

Joana e Marlene
(20 de Novembro de 2008)

Eu quero…o meu amor não tem

Nunca são as coisas mais simples que aparecem
no interior do meu peito
São sempre linhas que a ti me tecem
recusando o que é desfeito

Mas, hoje acordei cheia de sede e de
importância nenhuma
E vi o amor embater numa parede e
esbater-se em espuma

Até a voz do mar se torna exílio
E o tom mais afinado asfixia
Se surdos aos apelos de auxílio
Somos nós-a-sós, dia-a-dia

Mas, hoje acordei cheia de sede e de
estranhas vontades
E vi o amor num mortal sem rede
Partir em meias-verdades

O meu olhar é nítido como um girassol
E a luz que nos rodeia é como grades
(Cá dentro querido, sinto muito, mas ainda
ainda sinto o sol de outras tardes)

Por isso, hoje acordei cheia de sede e de
vontade de correr
Porque o meu amor já não tem
Tempo a perder

um outro olhar...(5)


“as raízes do amor…”

nós somos uma raiz
ou seríamos duas e nos transformamos numa só?
vivemos a nossa vida debaixo de terra
sempre ligadas por este beijo eterno

até que um dia

fomos arrancadas lá do fundo, sem saber porquê
vimos o sol e a lua, os pássaros e as pessoas
demos voltas e mais voltas, mas, apesar de tantas mudanças
estivemos sempre ligadas por este beijo eterno

e de que será feito este beijo?

será um beijo dado olhos nos olhos?
com partilha, afecto… e verdade?
terá nascido de uma pequena semente e foi crescendo?
e terá dado sempre tempo ao tempo?

serão estas as raízes do amor?

sábado, 22 de novembro de 2008

"soneto" do anjo


fotógrafo: YOSHIHI TANAKA

Não se deixa de gostar
Em ápices que nos separam
Mesmo quando não me vês
Passando por ti assim tão pequenina.

Como a estrela que vela o norte
Em cada perda do teu olhar
Que me encontra na dita sorte
Encarnada de anjo por saber amar.

Os anjos ficam tristes?
Não, se os souberem cuidar
Para isso preciso que fiques.

Fica enquanto eu te estimar
Um anjo serei a cada anoitecer
Um anjo serás por me amar.
filinta martins

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Um poema de que gosto

Na nossa primeira aula da segunda série vagueámos na fronteira indefinida de prosa poética e poesia. Não ficou claro. Ainda ando enredemoinhado como num jogo de voleibol onde a bola atravessa a rede e não chega a cair ao chão, de qualquer forma continuo a pensar no assunto. Como resultado destas divagações lembrei-me deste verso de Carlos Drummond de Andrade " o amor, seja como for, é o amor " e recolhi o poema para partilhar convosco

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo
suspende a saia das mulheres
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme do Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meios verdes
e desejos já maduros.

E quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na àrvore
em tempo de se estrepar.
Pronto o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas,
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Eu, vossa Professora, desejo-vos...

Meus queridos Alunos,


Depois de trinta e seis anos como Professora, chegou, no dia vinte e cinco de Setembro de 2007, o momento de vos deixar.A minha aposentação foi um grande turning-point na minha vida! Um turning-point desejado, necessário e esperado que, no entanto, me deixou, plasmado na alma, aquele indefinido mas amargo travo de Saudade! De todos vós!

Hesitei muito antes de vos escrever esta carta. Porém, após todos estes meses, decidi "conversar" um bocadinho convosco, para vos desejar felicidades, para vos dizer que nunca vos esquecerei, para vos agradecer por terem dado tanto colorido e encanto aos meus dias, mesmo aos mais cinzentos, e para para vos chamar, mais uma vez, pela última vez, "meus"! Porque todos, e cada um de vós, foram, realmente, um pouco "meus"!

Ao longo dos anos, tantos anos, fui tendo notícias de alguns; perdi o contacto com quase todos mas, espero que estejam bem; outros perderam-se e perdi-os.Enquanto vos acompanhei, vi-vos crescer e cresci convosco; ensinei-vos e aprendi também; dei-vos afecto e recebi o conforto da vossa atenção e da vossa alegria.

No fim do ano lectivo, ofereciam-me, geralmente, uma rosa orvalhada de carinho ou, um ramo de flores lindas, perfumadas e brilhantes, polvilhadas de ternura, que eu apertava contra o peito e salpicava com lágrimas de emoção e incontido orgulho!Pelo vosso aproveitamento escolar, pela vossa gentileza, pelo vosso delicado "saber estar"!
Depois, à despedida, pediam-me, invariavelmente, que as guardasse, com o cartãozinho assinado por todos e davam-me, mesmo, algumas sugestões para melhor as secar, como se, nas suas pétalas secas, frágeis e amareladas, fosse possível eternizar aqueles momentos de doçura e encantamento, representativos de um período particularmente feliz e despreocupado da vossa Vida!

Na verdade, meus queridos, esse é o desejo ancestral e jamais realizado de todos nós: poder fazer parar o Tempo e o Mundo nas horas de mágica plenitude, quando o nosso coração quase explode de felicidade e alegria e o céu nos parece tão perto que quase podemos tocá-lo com a ponta dos nossos dedos!

Mas, aconteça o que acontecer, enquanto um só de vós se lembrar da Escola, dos colegas e de mim, voltaremos a estar juntos e vós sereis, de novo, adolescentes estuantes de energia e de Esperança e eu estarei lá, ao vosso lado, igualzinha à professora que trabalhou, riu e aprendeu convosco!
E, a rosa, orvalhada de carinho, continuará fresca, bonita , mais radiosa ainda, porque nimbada pelo brilho mágico que só a memória confere a tudo o que, enternecidamente, guarda!
É esse o poder espantoso do Amor, da Amizade e da Saudade, também!

Escrevo-vos hoje, meus queridos, para vos desejar o melhor e o mais belo de tudo!Todos sabemos, porém, que não vivemos num Mundo virtual de alegrias mil, num paraíso róseo de sonho e magia mas, num Mundo real, feito de dias de cansativa rotina, de momentos de fantástica felicidade e de horas de esmagadora tristeza!
Não quero com isto dizer que a vida seja simplesmente branca ou negra porque, é, no seu todo, um deslumbrante caleidoscópio de sentimentos e de emoções, um turbilhão incandescente e tumultuoso, de encontros e de desencontros! Connosco e com os outros!

Mas, a vida é também desafio que devemos aceitar de coração aberto,como aceitámos a missão que nos foi destinada e nos é entregue no dia em que nascemos. Porque, estranhamente, os desafios com que a vida se entretém a pôr-nos à prova, são sempre, por um desígnio superior qualquer, à medida das nossas forças, como a missão, (ou, será destino?), que nos coube em sorte cumprir.

À medida que crescemos e crescemos enquanto vivemos, vamos compreendendo que o nosso percurso, na vida, é a subir. Por isso, meus queridos, o caminho é, aqui e ali, difícil, tortuoso, íngreme!
Às vezes, tropeçamos, desequilibramo-nos, caímos e vemos esfacelarem-se, no chão, algumas das nossas crenças e ilusões, alguns dos nossos projectos, algumas das nossas mais douradas aspirações!

Contudo, porque assim tem de ser, levantamo-nos, recolhemos nas mãos, manchadas de pó e de lágrimas, os pedaços rasgados dos nossos sonhos, curamos as nossas feridas e prosseguimos, sempre em frente, sempre a subir, hesitantes nas encruzilhadas, parando cautelosos à beira dos precipícios que aparecem, quando menos se espera.Para nos ajudar, nesses momentos de hesitação perante o desconhecido, de terror frente ao abismo, podemos recorrer às nossas referências, à nossa consciência, ao nosso bom-senso e, com alguma cautela, ao nosso coração!
Porque, meus queridos, nem sempre podemos "ir onde ele nos quer levar"!

Se é verdade, que a estrela que se esconde no nosso coração e nos guia, nunca empalidece, nem mesmo quando o corpo evidencia já sinais de decadência, também não é menos verdade, que este companheiro precioso que nos mantém vivos, nunca envelhece e conserva, ao longo da vida, o mesmo ímpeto, a mesma ousadia, a mesma irreverência, a mesma paixão da juventude.
E, é essa sua fogosidade apaixonada que pode ser perigosa! Em certas situações!

Um grande escritor inglês comparou a vida a um tapete que vamos tecendo dia a dia, hora a hora. Nele, a nossa vida seria, ponto a ponto, bordada, a sangue e a espinhos, a fios de luz e a rosas, e as pessoas que fossem cruzando o nosso caminho, nele deixariam as marcas de fogo ou de gelo, da sua bondade ou da sua perfídia, do seu amor ou do seu ódio, da sua amizade ou do seu despeito, da sua dedicação ou da sua indiferença.
Muitas vezes, tenho pensado que, quando eu tiver cumprido a minha missão,( ou, será destino?), e desdobrar, aos pés de Deus, o tapete que laboriosamente teci, muitos serão os motivos lindos, coloridos, luminosos e macios que todos vós, alunos meus, ali terão deixado gravados!

E, eles contribuirão, com a beleza pura do seu recorte, para a redenção de todos os pedaços negros, pantanosos, medonhos, dos meus desencontros comigo mesma, dos gritos mudos dos meus terrores, dos momentos amargos do meu desespero, das horas pungentes do meu cansaço!

Talvez, nesta dualidade de luz e de sombra, nesta certeza de que tudo o que fazemos tem um peso e será a medida justa da nossa salvação ou da nossa condenação, esteja contido o sentido da vida!

Desejo, meus queridos, que a nível profissional tenham sido e sejam sempre bem sucedidos,(alguns de vós, eu sei, são nomes já altamente credenciados nas profissões que escolheram); desejo que se realizem plenamente, se valorizem e se agigantem, moralmente, cada dia que passa! Confio no vosso sentido de responsabilidade, no vosso empenhamento, na vossa combatividade! Mas, também confio na vossa solidariedade, na vossa generosidade e sei, que quando descansarem, serenos e aconchegados no conforto doce e tépido das vossas casas e estenderem à vida as mãos cheias de tudo, não vão esquecer aqueles que, transidos de dor e de frio, arrastam o peso insuportável de uma existência cheia de nada!

Desejo, igualmente, que tenham encontrado ou, venham a encontrar, o Amor da vossa vida, na pessoa certa, que vos ame, vos acarinhe, vos aprecie e não traia nunca a vossa alegria, a vossa confiança, a vossa inocência!
Um Amor que percorra convosco o tal caminho sempre a subir mas que, amando-vos e amparando-vos, vos dê inteira liberdade para escolher e decidir, frente às encruzilhadas, e vos deixe crescer e voar livremente no azul infinito dos vossos anseios!

Mas, também vos desejo um Amigo, alguém que, em certos momentos, é mais precioso do que um Amante, pois o sentimento de posse que, por força da relação amorosa, lhe é inerente, pode fechar-lhe a alma, embotar-lhe os sentidos e, por isso, não compreender, não ver e, às vezes, mesmo sem querer, sufocar e destruír!
Um Amigo não é assim!

Um Amigo, meus queridos, é como um raio de sol que, atravessando o céu pesado, triste e escuro de uma manhã chuvosa de inverno, enche de luz e encantamento todos os recantos do dia e cobre, de ouro e de pérolas líquidas, as pedras do chão, a lama, as árvores!
Esta é a razão porque, hoje, desejo, ao vosso lado, alguém que saiba dar, sem nada pedir em troca, que repouse, apaziguado, na vossa paz e vos apoie, firme e ousado, nas vossas batalhas e nunca, mas nunca, faça perguntas!


As horas foram passando e um novo dia desliza, lentamente, ao encontro da noite que se esvai, para, num longo e silencioso abraço, a diluir, definitivamente, na sua claridade branca e fria.
E, esta hora de mansa quietude, suspensa, entre a noite e a madrugada, é o tempo certo para dar por terminada esta minha "conversa" convosco.

Gostaria, meus queridos, de vos ter escrito a mais bela carta, jamais escrita, de ter inventado, para vos dizer, as palavras mais bonitas, jamais ditas, de ter criado, só para vós, as imagens mais delicadas, jamais criadas.
Não fiz, naturalmente, nada disso!

Ao reler estas linhas, penso mesmo que, tendo divagado tanto, teria, afinal, bastado ter-vos dito que vos amei, ensinei e orientei, como se fossem, realmente, "meus", que vos amo e que quero, do fundo do meu coração, que se sintam sempre de bem convosco, com os outros, com a vida!

Quero, meus queridos, que sejam felizes e, talvez, muito mais do que isso, porque a felicidade também se aprende, que saibam ser felizes!

Vossa Amiga para sempre,

Maria Celeste S. M. Carvalho

Livre

Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades


O silêncio grita na espera vazia,
E a sombra inunda as minhas tardes.
O luar não encontra janelas
Por onde se veja a madrugada,
Que ressuscite nos olhos e na voz
O som esquecido da gargalhada,
Que conquiste o mar, dele faça caminho aberto
E dance na alegria do encontro e na saudade,
Que ser humano… adulto, criança, sério, insano…
Tudo é nada, se o não é em liberdade.



António Roma e  Raquel Patriarca
19.novembro.2008

Tabacaria - Álvaro de Campos


Poema de Fernando Pessoa dito por João Villaret

Renascimento

Já arrancou a 1ª Edição do Workshop de Escrita Criativa em Poesia, Nível II. Com este reinício vamos inaugurar algumas novidades, sendo que a primeira e mais importante é darmos as boas vindas a quatro novos amigos, companheiros no amor à poesia.
Cá vai: António, Marlene, Joana e Ivone… Bem-vindos ao Mar Parece Azeite!
raquel patriarca
vinte.novembro.doismileoito

Os primeiros trabalhos

Andámos às voltas e enchemos uma das folhas de meios versos e palavras soltas.
Na pressa de últimos,juntámos nas cabeças ideias muitas, tansferindo para o papel
algumas delas no seguinte poema:

O meu amor é tudo em mim,
a importante forma de sentir,
um cuco que desperta
Novo Mundo ao meu olhar!

Mas se o sinto assim
como Aurora Boreal
inconstante, momentânea
sensação
de caminhar na penumbra.
talvez não tenha a fortuna
de saber o que ele é.
então...
o meu amor não tem
importância nenhuma.

Sara e José

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Coisas de Partir

Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semi-cerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.

Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir...
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?

E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?

Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.

Ana Luisa Amaral (1956-)
Coisas de Partir (1993)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Bússolas ao segundo

Fiquei com problemas de consciência de no Domingo ter publicado um poema um pouco deprimente, peço-vos desculpa pelo facto! Realmente sou mais pró-positivo e a constipação e dor de cabeça que me aperreava a mente já passsou! Escrevi hoje este poema que aqui vos deixo:

Bússolas ao segundo

Gostaria de dizer-te num verso simples
que... vestido de nuvem, invisível,
qual fio de teia cristalina,
todos os dias tenho seguido...
os passos leves, etéreos de desafio,
escondido das esquinas, nos passeios,
opaco à distância dos teus olhos!

São assim pequenos dias longos,
não se soltam baraços da jangada;
unidos troncos escorregando flutuantes,
granitos, pedras nas calçadas,
torneando gotas condensadas que
procuram na descida... o destino
inevitável dos rios!

Guio-me de bússolas ao segundo,
olhos fechados, braços de púrpura
tecido manto, mãos de remos
ajudando... tornando sem precalços
o caminho!

E assim te vais
e assim eu fico
sempre junto e preenchido!

Flauta mágica

Ontem
passeámos sob a brisa da tarde,
entre os canteiros do jardim.
O aroma
fluxo de encantamento,
melodia de silêncio,
flauta mágica...conduzia!

Parámos
junto às gardénias
no correr do muro.
Namorámos os gladíolos
escondidos nos limbos verdes...

E falámos das cores brancas,
dos sorrisos nos caminhos...
enquanto em carícias seduzias
e as flores adormecias!

domingo, 16 de novembro de 2008

Tarde

Passei a tarde toda a olhar
a roseira de que tanto gostas.
E pensei levar-ta toda.
E as papoilas, também.
Mas já era tarde.
Só o doce aroma
do jasmim me acompanhou
na viagem.

Mal me sinto

Como amanhã é segunda-feira (I don't like mondays)
resolvi publicar um poema de desconforto porque a vida
é isso mesmo, uma salada de frutas de sentimentos,doces,
amargos, uma balança de pratos desencontrados em constante
movimento. O poema escrito há algum tempo atrás chama-se:

Mal me sinto

Mal me sinto
na redoma de estrelas cadentes
afogueada de cometas loucos,
nas espadas de luz do Sol que cega,
na dança dos medos das serras plácidas,
ermos de silêncio;
asfixio de excesso no ar que respiro
lançado no abismo
demasiado perto de tudo... de todos...
que são demais!

Degladio o sonho, esmoreço...
e aqui neste lugar
ergo os cactos do deserto,
os espinhos de absinto;
sem esperança...
mal me sinto!

Quando eu era árvore


Macieira em flor Foto LGD

Quando eu era árvore

Já fui tristonha, Chorão
E os meus longos cabelos
A água tocavam
Deitava-lhe os segredos
Do meu coração.

Já fui esbelta, elegante, verde, Álamo
E ao vento, vaidosa,
Gostava de acenar
Desde a margem do ribeiro
Que a meus pés
Saltitava a refrescar.

Já fui Vinha Virgem, escarlate
Nos Outonos ocres
Que passaram
Agarrada às pedras dos muros
Que os antigos
Empilharam.

Já fui Macieira rosada de flores mil
Verguei-me carregada dos frutos
No Estio
E também fiquei despida de sonhos
Nos tempos tristonhos
Do frio.

Já fui Oliveira verde, cinza, de prata
Dei azeite, bênçãos, fertilidade
E coroas de adornar
Robusta, escutei
Os cantares
De roda dos meus troncos
Seculares.

Mas o Homem me trocou
Pela cidade do asfalto
Das torres que apontam o céu
Do fumo, das máquinas, do cimento
De mim se esqueceu
Cansou de regar-me, abateu-me,
A árvore morreu.

Faltou-me ser Pinheiro, Carvalho robusto
Cedro, Citrino, Japoneira em flor
Outras tantas…
Não, não quero ser mais árvore!
Gritei!
Cansei!

Hum…
Talvez ainda deseje ser árvore…
Adornada, em flor,
Exaltação, metáfora,
Belo nome, sugestão, tema
Talvez ainda deseje ser Magnólia
Inspirar o amor,
O poeta, um poema.

Elza

Isto foi um fim de semana de criação campestre para mim. Espero que possam saborear estas árvores que amanhã já é Segunda feira do asfalto outra vez. Boa semana!

Ainda sobre o tempo...

Ao ler o texto do Nuno sobre o 'tempo', e depois a reflexão com que concordo - os nossos poemas, tão distintos e únicos, são como as cerejas ("o nosso mar inspira outros mares"), e que bom ver que é assim - desencantei uma pequena reflexão sobre o 'tempo' há algum tempo pensada. A ideia é distinta, mas é sobre o 'tempo'. Digamos... É também "um outro olhar"... Aqui o partilho convosco.

E ali estava eu, crescida. O relógio a dar horas logo cedo de manhã. A corrida para o trabalho, sozinha no carro, tentando que a melodia do rádio me distraísse do fumo e da confusão lá fora. Depois, o dia, passando. Com as folhas de papel enchendo-se de orçamentos exigentes. E as carantonhas cinzentas que se passeiam para lá e para cá, trocando impressões, cumprindo metas, sem nunca parar para pensar onde isso as vai levar. Mas há que continuar! O mundo avança, o lápis e a folha de papel que se saboreavam como uma brisa suave dão lugar ao computador e a uma valente dor de cabeça. Mas não se pode parar. No final do dia, o Multibanco. Uma vez mais os números e as responsabilidades. A conta da água, da luz, da internet, da ordem… E depressa! Que há que continuar a correr para fazer o jantar a horas. Para as crianças. Onde andariam? Não as vi no quarto. Nem as encontrei na sala. Abri a janela e por fim, ao fundo, ouvi os gritos alegres… No fim da avenida, de terra batida, jogava-se ao pião, enquanto tudo o mais era ilusão.

Elza

(Obrigada São e 'Escrever Escrever' pois foram vocês as primeiras cerejas que provei neste caminho...)

um outro olhar... (4)


"quero lá saber..."

mil coisas para fazer, mas estou aqui a encher folhas de papel
tanto compromisso para cumprir, mas estou aqui a juntar pedaços de natureza

quero lá saber
lá fora não tenho tempo para nada
mas quando estou a juntar coisas e palavras, o tempo parece que pára
e, de repente, tenho tempo para tudo

quero lá saber
lá fora chamam por mim, mas eu estou aqui com as coisas e as palavras
não me pedem nada, mas têm-me todo
com todo o tempo que não dou aos outros

quero lá saber
aos que gritam e chamam por mim, só me apetece dizer-lhes -
parem de não ter tempo para usar o tempo

quanto a mim
quero lá saber

insónia...

é bom ter uma insónia e não nos incomodarmos com isso...
depois de umas quantas voltas na cama, com a cabeça cheia de ideias, projectos pessoais, profissionais... por que não... trabalhar, ver televisão... ou vaguear pela net?...
claro que acabei por vir aqui e reli muito do que escrevemos... noutra hora, noutro momento... silêncio quase total... somos mesmo só nós e as palavras...
isto tudo para vos dizer que é bom ter este espaço de partilha, onde nos expômos... e depois percebemos que "o nosso mar inspira outros mares"... e "que os nossos olhares dão origem a outros olhares"...
é interessante este nosso porto d'abrigo...
ia dizer obrigado a todos e lembrei-me do que me disse um dia um amigo quando lhe agradeci o favor que me tinha feito... "a amizade não se agradece, retribui-se"...

sábado, 15 de novembro de 2008

Debaixo da buganvília

Duas almas se tocaram
Há longo, longo tempo
Debaixo da buganvília
Que crescia
Num jardim de sonhos e melaço.

Duas almas esvoaçaram
Dançando ao vento
Debaixo da buganvília
Que crescia
Num eterno e doce abraço.

Promessas e juras de amor
Promessas que a brisa levou
Debaixo da buganvília
Que crescia
Nada ficou.

Mas ainda separadas pela dor
Duas almas não deixaram de sonhar
Debaixo da buganvília
Que crescia
De voltarem um dia a se encontrar.

Elza (Pi)

Soneto de Sentir

Tracei a laranja no pomar teu
Bebi o sumo que dela jorrou
Olhava esperançada o azul do céu
Mas sabor algum minha boca encontrou.

Molhei o corpo na bica de água
Que corre fresca da mina sem parar
Mas minha pele nada se arrepiava
E minh’ alma teimava cristalizar.

No meio dos livros encadernados
Por entre tuas estantes e quadros
Deixei-me estar buscando uma verdade.

Uma folha de papel então eu vi
A mão segurou o lápis e escrevi
Apenas o teu nome, senti saudade.

Elza (Pi)

LA COGIDA Y LA MUERTE

A las cinco de la tarde.
Eran las cinco en punto de la tarde.
Un niño trajo la blanca sábana
a las cinco de la tarde.
Una espuerta de cal ya prevenida
a las cinco de la tarde.
Lo demás era muerte y sólo muerte
a las cinco de la tarde.


El viento se llevó los algodones
a las cinco de la tarde.
Y el óxido sembró cristal y níquel
a las cinco de la tarde.
Ya luchan la paloma y el leopardo
a las cinco de la tarde.
Y un muslo con un asta desolada
a las cinco de la tarde.
Comenzaron los sones del bordón
a las cinco de la tarde.
Las campanas de arsénico y el humo
a las cinco de la tarde.
En las esquinas grupos de silencio
a las cinco de la tarde.
!Y el toro solo corazón arriba!
a las cinco de la tarde.
Cuando el sudor de nieve fue llegando
a las cinco de la tarde,
Cuando la plaza se cubrió de yodo
a las cinco de la tarde,
la muerte puso huevos en la herida
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
A las cinco en punto de la tarde.

Un ataúd con ruelas es la cama
a las cinco de la tarde.
Huesos y flautas suenan en su oídeo
a las cinco de la tarde.
El toro ya mugía por su frente
a las cinco de la tarde.
El quarto se irisaba de agonía
a las cinco de la tarde.
A los lejos ya viene la gangrena
a las cinco de la tarde.
Trompa de lirio por las verdes ingles
a las cinco de la tarde,
Las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde,
y el gentío rompía las ventanas
a las cinco de la tarde.
A las cinco de la tarde.
!Ay qué terribles cinco de la tarde!
!Eran las cinco en todos los relojes!
!Eran las cinco en sombra de la tarde!

Frederico García Lorca

Publicado por Maria Celeste

Nota: Este é um dos mais belos poemas de Lorca.
Um poema forte, rubro, arrepiante mas, belíssimo!
Aqui fica, " La cogida y la muerte " especialmente,
para "la nuestra hermana" Maria Angeles Sanz, com
um abraço.

Desencontro

Revejo-te mas não te vejo,
Há quanto tempo é assim?
Diz-me, amor, porque não sei,
Como te perdeste...
De mim?


Sinto ainda a ternura
Das tuas mãos
Nas minhas...
No veludo das rosas, da pele
Na suavidade da seda
E do cetim...

Reconheço o brilho dos teus olhos
Em todas as estrelas
Que brilham
Longínquas...
A fio de luz,
Bordadas...

Vejo o teu sorriso macio
Na doçura
Clara e húmida
Das serenas madrugadas...

Escuto a tua voz e o teu riso
Em todos os sons...
Harmoniosos,
Do mundo...
Na água saltitante dos rios...
Nos campos... na rua...
Na música... nas fontes...
No mar azul, profundo...

Revejo-te, escuto-te e sinto-te
Procuro-te...
Chamo-te...
Espero-te...
Nunca te encontrei...não te vi...
Diz-me, amor, porque deixaste
Que me perdesse...
De ti?

Maria Celeste

A fotografia

Tem os cantos em serrilha
e em nada transparece
o momento distante
na fotografia!

Uma gota baça espanta o brilho.
Não se adivinha o instante
que desvia, esconde,
a límpida história além,
agora na ponta dos dedos,
cinco palmos do olhar,
parado, ausente,
naquela fotografia!

O sorriso de sincronia
no fumo do disparo,
no nariz de fole,
não revela
o desfazer precedente...
nem sequer o chapéu alto
atràs do símio,
pequeno, irrequieto,
que sempre acompanha
as máquinas de outros dias!

Vira-se, revira-se,
rodam-se os cantos,
procura-se...
um número apenas,
a cartolina dura, sépia,
da velha fotografia!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

mar


fotógrafo: Ben Welsh

Sentei-me na rebentação
Docemente vinhas beijar-me os pés
De volta levavas um pouco de mim
De volta trazias um pouco de ti
E assim fomos ganhando terreno
Cada vez levavas mais de mim
Cada vez trazias mais de ti
Um dia cobriste-me, fundiste-te
Entrei em ti… pediste para ficar
Prendeste-me… não quis volta


p.s- volto a reforçar o impulso que o nuno deu. obrigada
filinta

Um poema de que gosto

Hoje quero partilhar convosco um poema francês do qual para além do original tenho também a tradução do mesmo feita por António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge. este poeta Paul Eluard foi contemporâneo de André Breton e Louis Aragon, faleceu precocemente de ataque cardíaco com menos de 40 anos e foi uma das figuras importantes do movimento surrelista.
Aqui vai o poema

L'Amoreuse

Elle est debout sur mes paupiéres
Et ses cheveux sont dans les miens,
Elle a la forme de mes mains,
Elle a la coleur de mes yeux,
Elle s'engloutit dans mon ombre
Comme une pierre sur le ciel.

Elle a toujours les yeux ouverts
Et ne me laisse pas dormir.
Ses rêves en pleine lumière
Font s'évaporer les soleils,
Me font rire, pleurer et rire,
Parler sans avoir rien à dire.

Paul Elouard "Outras Palavras"


Tradução

Ela está de pé nas minhas pálpebras


Ela está de pé nas minhas pálpebras
com os dedos nos meus entrelaçados.
Ela cabe toda nas minhas mãos,
ela tem a cor dos meus olhos
e desaparece na minha sombra
como uma pedra sobre o céu.

Tem sempre os olhos abertos
e não me deixa dormir.
Os sonhos dela à luz do dia
fazem os sóis evaporar-se,
fazem-me rir, chorar e rir,
falar sem ter nada a dizer.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Dai-me uma jovem mulher...

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
melodias livremente soam e entoam.
Nessa floresta mágica dos sentidos
danço.
Mergulho em pasmos movimentos.
No éter delicado, observo-a dançando
E a sua música é a minha casa
o meu encanto, a minha voz e o meu néctar.
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de encanto
Será as cordas do meu dedilhado
Será, a minha musa dedicada
Com ela, na sombra do encontro.
Dai-me uma jovem mulher, essa musa
Encantada; que sem ela não sou nada.

Elza, Raquel e Céu

Fios de mel

Neste dia de segundos todos
sinto ainda fios de mel nos lábios tolos
e a leve aragem de aroma rosas
nas folhas que junto a ti escrevo;

vento
um afago de ar quente em movimento
nas madeixas transpiradas do cabelo,
torneando o rosto, descendo da árvore,
devorando a maçã...batendo o peito!

Não os vendo de adormecida
os teus olhos de safira,
foge-me a pena, cessam os versos
do poema,
espalho as folhas no lençol...
e também eu
fecho portas e janelas,
escorrego num sossego,
suspiro ao mesmo tempo,
oiço segredos no baloiço
do teu seio...
e esqueço... tudo e todos...
fecho os olhos e adormeço!

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

um outro olhar...(3)

“estou triste…”

estou triste, sem saber o que fazer, nem para onde ir

estou triste, apenas isso


umas vezes gosto de mim e adoro o que faço

outras, nem por isso… e fico assim, triste

cabeça baixa, olhos no chão, querendo apenas desaparecer

ficar sozinho… calado… isolado do mundo que faz barulho demais


nstes momentos, apetece-me parar o tempo, desligar o botão e hibernar

meter-me numa campânula de vidro à prova de tudo

ou, se calhar, à prova de nada

por que o tempo não pára, o barulho lá fora é cada vez mais intenso

e não consigo ficar a ver tudo a acontecer


que fazer então?


respirar fundo, levantar a cabeça, olhar para o sol ou para o mar

e fazer como a natureza faz todos os dias

cada dia é um novo dia

poderá ser o primeiro ou o último mas isso não interessa

interessa sim é que é único e que devemos vivê-lo como a natureza faz


como se fosse o primeiro

ou como se fosse o último

Um poema de que gosto

Pablo Neruda tinha a sabedoria simples e profunda que atravessava as paisagens azuis
dos Oceanos e o fez correr mundos nas asas de belas poesias.

Para quem, como a maior parte de nós, foi desafiado a entrar pelas regras dos sonetos, no início do Workshop com a nossa "Prezada" Mestra, aqui vos deixo um soneto de amor que acho de rara beleza

XLV

Não estejas longe de mim um dia que seja, porque,
porque, não sei dizê-lo, é longo o dia,
e estarei à tua espera como nas estações
quando em algum sítio os comboios adormeceram.

Não te afastes uma hora porque então
nessa hora se juntam as gotas da insónia
e talvez o fumo que anda à procura de casa
venha matar ainda o meu coração perdido.

Ai que não se quebre a tua silhueta na areia,
ai que na ausência as tuas pálpebras não voem:
não te vás por um minuto, ó bem-amada,

porque nesse minuto terás ido tão longe
que atravessarei a terra inteira perguntando
se voltarás ou me deixarás morrer.

Pablo Neruda "Cem sonetos de amor"

ups... asneira

Peço desculpa à "imensa" mas acho que fiz asneira e sem querer apaguei o seu "mar"... não me perguntem como consegui porque nem eu próprio sei. Queria responder, porque o seu mar lembrou-me "um outro olhar" que tive em tempos... e apaguei. Tentei repôr e já não deu. Nem sabia que era possível eliminar o que alguém colocou no blogue. Desculpa "imensa" e desculpem todos os participantes no blogue (soumesmonabonestascoisasdainformática...)

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Um poema de que gosto

Do livro "Primeiros poemas" de Eugénio de Andrade
dedicado a Fernando Pessoa


Canção

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
- mãe, dou-lho ou não?

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Um sopro leve de brisa

No azul do horizonte
o astro puro ilumina,
incandesce, queima,
elimina,
medos, melancolia!

Tarde lenta em devaneio
no areal da praia lisa.
No intervalo das dunas,
entre o mar e o receio,
descanso no teu olhar.

Resta o contorno do rosto,
um sopro leve de brisa,
um silêncio que enfeitiça!

p.s. parece que todos gostamos de mar e o Nuno disparou o Click!

Ausência

O mar do Nuno, lembrou-me uma certa praia. Abandonada há muito, num caderno, também ele há muito abandonado...


A tua infinita ausência
enche esta praia deserta.
O vento das palavras
varre o areal
liso, imenso.
As algas
adormecidas despertam,
esquecidas de que um dia
foram beijos...

Aqui, nesta praia
as ondas morrem
num longo gemido
cortado pela noite.

Um gato chamado Freud

Hoje lembrei-me de vos contar uma história diferente, de pequenos quotidianos que geralmente guardamos só para nós. São aqueles nadas que nos preenchem, que batem freneticamente como as asas de libelinhas enquanto piscamos os olhos, com vontade de ser câmara lenta, e apreciar aquela energia inesgotável que as coloca suspensas no ar.
Começa assim:
Era uma vez uma família que tinha vários gatos, um branco de algodão com poucas manchas de mel na mesma cor dos olhos felinos, mais antigo, mais ronceiro gostava de estar à janela num sossego adormecido. O segundo mais tigrão , tanto tinha de tons de selva como de esfomeado e comilão que tornava diminuto o focinho pequeno, esfíngico, na imprópria relação com o tamanho da farta pança. O terceiro e o mais novo, branco com algum beige, olho azul, elegante e brincalhão, atingiu um dia aquela fase das vidas da cidade que obriga à castração. Foi rápida a operação, mas não sei se por causa da anestesia, da injecção, dos comprimidos, dos doutores, de alguma inusitada reacção, ficou o bicho, até aí tão caseiro e tão manso, um pouco baralhado, saindo de casa fugido pelos quintais, pondo em grande alvoroço e enorme preocupação toda a família aos berros pelas ruas, alertando vizinhos, na procura do seu gato durante três dias e três noites, até que por fim surgiu a paz do reencontro e até à data não houve mais episódios, vivendo feliz e contente aos pulos e saltos nos verdes do jardim, perseguindo objectos voadores perfeitamente identificáveis.
Falta a razão desta história, o nome do gato "Freud" e o poema que escrevi quando de novo voltou ao lar:

FREUD

Freud bigode farto
não era bicho de mato,
andorinha, colibri,
arara, urubu, rato,
tigre, leão, elefante,
àguia, corvo ou sapo,
era um simples felino
adorado, doce gato!

Pelo branco tisnado
de pouco beige esfumado,
ensonado, repentino,
jovem, descuidado,
alegre, de pouco tino!

Quis a história contar
que não tendo descendência
(devido às bolas tirar)
zangou-se, foi passear
para outra residência!

Voltou de novo à razão
às saudades do lar,
feliz, mais brincalhão,
sem miau-us de arrepiar,
com ron-rons de D. João...
só queria namorar!


Concerteza imaginam que para esta família e para todos de uma forma geral, depois do grande susto, não há nada melhor que um final feliz!
Gostei de partilhar esta pequena história convosco!

Um outro olhar...(2)

“no meio do mar...”




no meio do mar sinto-me o dono do mundo

sonho, grito, falo com as estrelas e com o sol

faço amor com as sereias e brinco com os peixes


no meio do mar, eu sou autêntico

pois consigo ser, simplesmente, eu

e não tenho medo de nada

nem das correntes, das ondas ou do maior peixe que existe


como poderia ter medo no meio do mar?

não há guerras, fome, nem crianças maltratadas

não há mentiras, nem ódios e vingança é palavra que não existe


é tão bom estar no meio do mar

sozinho, solto e disperso

sentindo-me o dono do mundo

do meu mundo…

domingo, 9 de novembro de 2008

A menina das sandálias

Junto à berma dos caminhos
tufos solares de giestas,
urze e violetas,
o carmim, o rosmaninho!

A menina das sandálias,
saia curta subida,
estendia,
mãos de concha
junto à àgua cristalina!

A infância descia
as curvas zonzas da estrada;
olhos fechados,
junto à minha,
tua alma dormia!

sábado, 8 de novembro de 2008

Um poema de que gosto

Hoje recolhi numa 1ª edição de 1944 este poema de Miguel Tora que quero partilhar convosco:

VOZ

Era uma voz que doía,
Mas ensinava.
Descobria,
Mal o seu timbre se ouvia
No silêncio que escutava.

Paraísos, não havia.
Purgatórios, não mostrava.
Limbos, sim, é que dizia
Que os sentia,
Pesados de covardia,
Lá na terra onde morava.

E morava neste mundo
Aquela voz.
Morava mesmo no fundo
Dum poço dentro de nós.

Miguel Torga " Libertação "

Um outro olhar...(1)

Nota Prévia - Vários colegas do "marpareceazeite" têm partilhado, e muito bem, a sua poesia, os seus momentos de inspiração. Penso mesmo que este é um caminho muito interessante que nos poderá ajudar a continuar a alimentar a partilha neste blogue. Esta ideia de "publiquem-se", "mostrem-se", de que falamos em algumas sessões... é um passo interessante... sobretudo para quem guarda tanta coisa há tanto tempo na gaveta...
Assim, vou também dar esse passo, tantas vezes adiado... e começar por explicar em síntese a origem deste meu projecto que intitulei de "um outro olhar"...
Numas férias, há bastante tempo, comecei por fazer pequenas construções (esculturas??) com "pedaços da natureza" que se cruzavam comigo (madeira, pedras, conchas, troncos... pedaços da natureza trazidos pelo mar ou encontrados numa qualquer mata). Certo dia, olhando para cada uma dessas construções (esculturas??), comecei a escrever pequenos textos (poesia??)... e assim nasceu este projecto com pedaços de natureza e palavras que fui juntando.
No nosso workshop fizemos poesia com base em palavras, textos, inspiração do momento.... eu faço os meus pequenos textos inspirado por pedaços de natureza que juntei. Vou então começar (devagarinho) a mostrar-vos alguns (tenho vinte e tal) desses pedaços de natureza e palavras que estavam soltos e dispersos... e um dia ganharam uma nova vida...

Este é o texto de abertura...

“um outro olhar...”

palavras e coisas que estavam soltas... dispersas
todas elas lindas... mas todas elas sós
tristemente sós… à espera de um outro olhar

começaram a juntar-se
ganharam uma nova vida
e tudo começou a fazer mais sentido

as palavras... as coisas... nós... todos nós
fazemos mais sentido quando estamos juntos
depois de estarmos sós... soltos... e dispersos


E este é o segundo texto, ainda antes das construções...

"imperfeitas e desordenadas... mas juntas...”

não faço métricas, simplesmente porque não sei fazer métricas
e se quando escrevo, naturalmente, não saem métricas
então é porque as métricas não têm nada a ver com o que eu sinto

ligar ar com mar, amor com dor... até que é fácil
será?
mas não é isso que eu quero dizer
(por isso os meus textos são tão desordenados)
nem é isso que eu quero fazer
(daí fazer construções tão imperfeitas)

que importam as assimetrias e as imperfeições?
o importante são as palavras e as coisas que estavam soltas e dispersas
e agora estão juntas... imperfeitas e desordenadas... mas juntas

(não será também o mundo, sobretudo ele, tão imperfeito e desordenado?)

Nuno CA (o "outro" Nuno)