sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Água em nós

A lenta dança da chuva
Neste sussurrar cinzento de neblina
Manhã ténue
Vento e chuva
O verde escuro da árvore parada
Danço com o vento esta chuva interior
Dói-me a chuva
Ritmo cinzento cardíaco
Bate lenta a chuva
Bate lento o peito adormecido
A lenta dança da chuva
Rouba o vento as minhas folhas
Neste sussurrar cinzento de neblina
Ouço água imensa que me inunda
A árvore é indiferente
Ao vento, à chuva, ao céu
Interna árvore parada
As pernas imóveis num tronco
Os ramos braços inertes
A lenta dança da chuva na minha face
As folhas verdes caindo
A minha face em água
Dói-me a chuva
Danço com o vento esta chuva interior
As lágrimas
Só gotas de chuva
Água interna parada
Árvore interna parada
Eu inteira parada
Choro chuva
Sou a árvore mais parada da rua nesta manhã
Rouba o vento as minhas folhas
Ouço água imensa que me inunda
Parada
Eu chuva.

Gesto suspenso nas águas

Nas costelas de gaiola aberta bate o som
linear de um discurso de aromas
querendo desmaiar pétalas
conservá-las na impressão de um sonho
suave e bom.

Será suave e bom como perfume de alfazema
numa tarde de rio e de merenda
apesar do frio do musgo de resíduos
quando não há sorrisos.

Uma folha de eucalipto e a baga de botão
cai ao centro circular
de pequenos redondos em crescendo
até à margem
onde teus dedos perdem tamanho
em mergulho de aqueduto
gesto suspenso de águas.

A folha é um barco que passa ao largo
e o discurso continua flor de amêndoa.

Na frase mais quente levantas o cais
de salpicos inundas o meu rosto
gotas doces, mel de duendes
sem os sais dos mares
a saliva das nascentes.

Primeiro sinal a reticência
nos teus olhos de searas
fenos os cabelos e a cena
dos meus negros.
Verdes os poemas de alfazema
as rimas dispersas de brisas
cor do mato e névoas finas.

Não dizes que sim voltas ao cais
aos medos, nas dúvidas dos lábios
diminuem os teus dedos.

Volta o discurso de aromas
as gotas do mesmo jeito
volta mais o meu desejo
no mesmo tom
suave e bom.

VIDA

Vida, momento-ternura de grande fervor,
também mágoa e compaixão,
momentos de paz, delírios de amor,
também desassossego e desilusão,
...mas só enquanto bate o coração!

Vida, momentos de calma e voz mansa,
também gritos ou alucinação,
momentos de lirismo, de grande bonança,
também de guerra ou destruição,
...tudo isto enquanto bate o coração!

Vida, momentos de fome ou larga abundância,
também de mistério ou religião,
momentos de equilíbrio ou discrepância,
também de ciência, apurada investigação,
...mas só enquanto bate o coração!

Vida, momentos de prazer, de doce loucura,
também de silêncios ou de crispação,
momentos de saúde, ou sepultura,
também de beijos, por vezes traição,
...mas apenas enquanto bate o coração!

Vida, somos nós cordialmente,
com estóica esperança de viver,
aceitando uma vida tão efémera,
mesmo sem haver um renascer!

Vida, somos nós cordialmente,
lutando pela família e pela amizade,
também pelo amor mesmo que efémero,
em busca duma utópica felicidade!...

( Nota do autor: retrato da Vida na sua magnitude e na sua complexidade, algumas vezes ultrapassando a chama do amor; mas em última instância, é este que representa a mais doce expressão vital).

António Luíz, in " VIDA: Paixão e Tormento", 2008 - Edições ECOPY