quarta-feira, 29 de junho de 2011
Um poema de Miguel - À Beleza
Não tens corpo, nem pátria, nem família,
Nem te curvas no jogo dos tiranos.
Não tens preço na terra dos humanos,
Nem o tempo te rói.
És a essência dos anos,
O que vem e o que foi.
És a carne dos deuses, o sorriso das pedras
E a candura do instinto.
És aquele alimento
De quem, farto de pão, anda faminto.
És a graça da vida em toda a parte,
Ou em arte,
Ou em simples verdade.
És o cravo vermelho,
Ou a moça no espelho,
Que depois de te ver se persuade.
És o verso perfeito
Que traz consigo a força do que diz.
És o jeito
Que tem, antes de mestre, o aprendiz.
És a beleza, enfim! És o teu nome!
Um milagre, uma luz , uma harmonia,
Uma linha sem traço…
Mas sem corpo, sem pátria e sem família,
Tudo repousa em paz no teu regaço!
Miguel Torga "Odes" 4ªed. 1977
se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu
Tamara Lempicka
se alguém disser que morri, avança até à varanda do céu,
escuta a noite e recolhe o meu corpo da espuma dos planetas.
não deixes que o meu rosto se dissolva nas tuas mãos,
insiste no meu nome até que o mar ascenda à tua boca.
e de luar em luar celebra o coração que fiz teu, mudamente,
como se o amor fosse sobreviver às veias paradas de sangue.
Vasco Gato "Um mover de mão" Assírio & Alvim
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