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Guillaume Apollinaire
um dia claro como as águas de um riacho de Coimbra
pela quinta sem lágrimas, pelos lugares secretos dos limbos
onde serás sempre ninfa –
a ilusão é uma pedra de cristal, faces que se multiplicam
brilhos, uma pequena mancha de um incêndio de sol
nos cantos do caderno e as linhas longas –
as palavras substância e os néctares de Mercúrio
o deus das asas, o mensageiro de um rio
que se lança sobre os espelhos das árvores
pelo chapéu das margens onde se sentam os pássaros
e os ramos tocam em cordas grandes, liras gigantes –
de que poderei falar agora quando cessa a luz e surge a lua branca?
talvez de Guillaume depois de Baudelaire
talvez dos poemas mais permanentes de Paul Eluard
talvez de uma filosofia de razão para equilibrar
talvez de músicas roucas e pensamentos profundos
talvez de carumas antigas e sandes nas costas dos pinheiros
talvez do mar, sim, talvez do mar –
mas são apenas fumos, aromas de ópios, incensos
olhares de lado, o soçobrar do desejo
a tarefa impossível de segurar as águas e separar o sal –
quando depois de um dia longo surge a lua branca
fechamos as janelas devagar, percorremos as garças
os rolos de linhas nas cortinas de renda
e todas as portas estão fechadas –
fazemos de conta que vamos descansar;
os pijamas e as escovas de dentes
os passos elevados na leveza dos chinelos
um resto de páginas, uma marca
a mão três vezes na abertura da boca
e depois, puxamos a roupa,
puxamos a roupa como um peso de chumbo
um peso de chumbo sobre o cansaço dos ombros
e adormecemos, adormecemos –
adormecemos os sentidos mais visíveis, os mais recentes
porque dentro do sonho há pó de caminhos
corridas, olhos, braços, crinas selvagens
o corpo, o rosto e um chapéu de abas largas
Caminha, Espinho, Vigo, Santiago, terras de França
e uma tenda de campismo sempre junto de um riacho
sempre junto de um riacho
ouvem-se as palavras –
8 de Março 2012