sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
esta noite espero a estrada branca - um poema de natal
Vermeer
espero a estrada branca quando subir a serra.
não haverá alces nem renas nas franjas da montanha.
talvez um lume que lance faúlhas, sorrisos abertos
e olhos que encontram olhos como arquétipos
de muitas épocas, sem litígios de ex-irmãos
sem guerras, sem fome, sem corações cortados
sem o ruir dos sonhos, das ilusões –
prevejo as calças azul de ganga, as botas de piso de borracha
e uma camisola vermelha como manda a tradição –
quando escolher o cálice, quando colocar os traços de lenha
subirão lentamente os aromas diversos, alguns sinais de fumo
a resvalar de muitos anos em múltiplos quadros firmes:
aguarelas de Turner, difusas, suaves, não terminadas
e óleos mais escuros, de Caravaggio, já ultrapassados,
mas colocando ainda relâmpagos e gritos de Münch –
lembro-me agora de Vermeer, a pérola,
Klimt, um rosto adormecido,
e os rostos tapados, dos amantes de Magritte –
recordarei preferencialmente o sabor do chocolate,
pequenos grupos de prendas no sapatinho de uma suposta lareira
que não havia, e o pai natal era invisível –
sonharei com macieiras e cerejas de brincos, já sou crescido
e não tenho medo de serpentes –
terei a caneta permanente no bolso esquerdo da camisa
e escreverei alguns versos, sem que ninguém veja –
falarei com muita gente, sem fios
e haverá uma nascente de episódios, vivos, apesar de mortos
desde o começo, desde ser berço, desde ser sólido
desde ser fogo, desde ter medo, desde fechar os olhos
e olhar todo o meu corpo, crescendo e decrescendo
de dedos grandes, de dedos mansos, de pensamentos
desde todas as certezas até um sol apagado, uma lua cega,
ou um paraíso de almas boas, uma távola redonda –
desejo sossego e sossegos para o meu músculo de sangue
para o de todos, de que me lembro, e são tantos –
não mais claustrofobias de paredes pálidas, exangues –
desejo as brisas de morango para o meu cérebro de sonho
e o de todos, e são tantos –
Holly night, holly night,
Ruidosa por dentro, silent por fora,
ninguém dará por nada –
muitos lugares e muitos outros, juntos,
que sorriem na noite de graças
minhas, deles , emoldurando os rostos de estrelas
como senão houvessem opacidades, intransparências,
himalaias, sombras, rotações de planetas –
desejo a noite máxima, feliz, luminosa, branca, sem pesadelos,
de todos, de todos os que me pisaram as nervuras dos cantos
e são muitos e são tantos -
e alguns existem, e alguns não existem
e alguns estão distantes -
josé ferreira 23 dezembro 2011
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