segunda-feira, 31 de outubro de 2011

no dia seguinte ao dia dos teus anos


Miguel Ângelo

quando em outubro te abraço os braços que me estendes
guardo as lágrimas da génese como uma chuva de pérolas
e agradeço-te tudo quanto sinto desde o ser pequenino
vestir calções e enrolar-me nos teus ramos de árvore gigante -

fazes anos, nascemos no mesmo mês e em anos tão diferentes
e sinto mais os ossos agudos os ombros descaídos a doçura das rugas
quando em Outubro abres o sorriso e nos teus olhos de água
corre um rio -

um pai mais de cidades do que campo, na pressa de ser presente
quando as obrigações te afastavam o horizonte
de tantos dedos de vários tamanhos dos maiores aos mais pequenos -

chegavas pelo fim das tardes de Outono carregado de maçãs
golden, stark, bravo, impregnando de aromas os corredores
a alma que não consigo segurar
e ainda me salta, ao fim de tantos anos -

sentavas-te a meu lado na mesa grande da sala, nas tardes de domingo
e lentamente nos cadernos de duas linhas ensinavas caligrafia
os ós redondos de lacinho os tês pequenos de tracinho
os és elegantes grandes tão difíceis -

no dia seguinte ao dia dos teus anos quando te encontras longe
posso deixar correr nos olhos esta água miudinha, este sal precioso
e dizer-te o tanto quanto te quero, o quanto te agradeço
mesmo que não ouças e esteja frio e haja vento

mas junto de ti para sempre -

José ferreira 31 de Outubro de 2011

(este é um poema que dedico ao meu pai no dia seguinte ao dia dos seus anos)

convite - um poema de Egito Gonçalves


Matisse the dream 1940


Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma

nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço

nesta fase em que o amor é não ler os jornais

podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -

podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz

porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores

Egito Gonçalves