quinta-feira, 5 de novembro de 2009

(exercício Goya e Manet)

Uma ausência de quase tudo
Um quase nada que imobiliza
E martiriza
Um estar-e-não-estar que adormece
E entorpece
Um querer fugir que angustia
E silencia
Um grito

ana lúcia figueiredo

É como…

1.

É como…

Cinzas em lume
O ciúme
Um gesto de dança
A vingança
Guardar um segredo
O medo
Ser sem vaidade
A verdade
Uma mancha incolor
A dor
Corte sobre corte
A morte
Inventar uma história
A memória
Olhar em perspectiva
A vida

ana lúcia figueiredo


2.

Corpos de algodão
Vagos
Prostrados por sobre a bruma
Distante
Ofegante desejo de fuga
Por entre a aridez da solidão
No chão
Rochas expectantes
Pela queda dos amantes

ana lúcia figueiredo

Carta ao Imperador Maximiliano

Arquiduque e imposto imperador ,
aceitaste a coroa a contragosto.

Do poder que te impôs Napoleão
não teve inteira consciência,
e nem mesmo os ricos latifundiários.

Subiu-te o império à cabeça: decidiste
ser todo-poderoso, ser discricionário,
e resolveste ser contrário e cruel:
antagonizar e matar foi o teu programa.

Mas Juárez, atento à desgraça em que caíste,
mandou fuzilar-te assim, algemado,
enfatuado no teu fato
e de sombrero aureolado. E é crível,
sem arrependimento.

Os simples assistiram ao espectáculo
talvez do teu poder horrorizados
e, quem sabe?, contentes de te ver
trespassado da pólvora dos fuzis –
um gigante tornado pigmeu, e nada.

Miramón e Mejia, os generais,
sucumbiram contigo de mão dada,
e nenhum deles era o bom ladrão,
nem Cristo estava por ali à mão.

Fala de Caim a Deus


Como magoa a morte da inocência,
como dói na alma o bico faminto dos abutres,
como aterra os meus ouvidos o grito de aflição,
e o teu olhar, Senhor, na luz do céu ofendido;

Tudo, Senhor, porque me desprezaste a mim
e à minha dádiva e encheste de graça o meu irmão
a quem levantei a minha mão pesada de ódio e vingança.

Não é somente minha a culpa que carrego e não nego
o ciúme sagrado que me mancha e o medo de me ver
proscrito e condenado à errância e ao meu pecado –
penosa peregrinação de penitente ao olhar matador
de toda a gente que hei-de encontrar pelo mundo fora.

Não sei se sou capaz de olhar a luz do sol de cada dia
e cavar a terra tão a oriente deste Éden
de onde foi desterrada a alegria.

Senhor, o teu sinal será para mim indelével estigma
que livra e que castiga o meu crime cruel
pois nem a vida errante me redime.