quarta-feira, 30 de junho de 2010

Amor 1.

A metafísica do amor são as tuas mãos
O amor não tem nome
É um pó líquido que nos corre nas artérias
Em estado puro
Um nó sináptico que nos enrola o cérebro
Em circunvoluções frontais e fatais

O amor tem dois dias para nascer
Três para morrer e um para ressuscitar
O amor são só números e operações
Somar, multiplicar, subtrair, dividir
A génese é um paradoxo
Maior que o do amor
Que nem interessa à génese

Nasce mesmo sem amor
Para logo morrer em vida sem afecto
O amor é um objecto inútil
Dispensável à biologia
Ainda assim é a sua elevação
A materialização das estrelas na carne

A metafísica do amor são as tuas mãos
O amor tem dois dias para nascer
Nesta sociedade cega e robotizada
O trabalho é um paradoxo
Menor que o do amor
Que nem interessa à génese
O trabalho é um objecto inútil
Dispensável à biologia

Se chovessem estrelas
Se o amor fosse água
Se eu criasse sol
A terra não era mais redonda
Nadávamos em amor sob a chuva
Os nossos beijos eram luz
E caminhávamos em linha recta
da Terra a Vénus e Marte

Talvez aí o amor não fosse dispensável à biologia
E os cometas fossem os nossos sonhos
A voar perto da memória da chuva
A embalar-nos em braços de luz.

Pecado ao quadrado

quadrado
recto de lados e princípios
rígido e perfeito na forma
(en)quadrado em si
preso num quadro quadrado

uma equação perfeita
com resultado impossível
uma curva normal
sem desvio-padrão

traçado a régua e esquadro
ângulos de noventa graus
és traçado sem pecado
sem curva nem diversão

peca em círculos
faz a roda
rebola em esfera sem rumo
desdobra a aresta toda
corrompe-te nos decimais
sem resto certo
sem divisão
só riscos tortos
feitos à mão

beijos redondos
em equação
eu a dividir por tu dá nus
subtraindo nós de ti dá nó

peca circunferencialmente
em ângulos imperfeitos, obtusos e agudos
desenha números na pele
sem borracha
não apagues nada...
os rascunhos são perfeitos.

Talvez

Peca a terra
Peca a terra
Peca a terra
Peca a terra

Quero sair do comboio
Que vem e vai em pecado

Peca a terra
Peca a terra
Peca a terra
Peca a terra

O planeta azul
Pecou com o astro sol
Seu fruto é todo pecado
De nome Homem

Peca a terra
Peca a terra
Peca a terra

Peca
Peca
Peca
Só mais uma vez
Para seres humano
Só mais uma vez
Até seres humano

Peca incessantemente
Até o sol raiar
O sol dorme de noite
com a terra em leito mar

Peca até entenderes
Que pecar não é pecado
Que pecar é a virtude
De quem vive ocupado
A colocar forca pesada
Em seu pescoço docemente
Com mãos próprias
Mãos do mundo
Este peca impunemente
Ao assistir à punição
Gozando a justa pena
É sua própria prisão

Peca peca peca
Peca só mais uma vez
Até seres humano
Até só o talvez bastar
talvez

Pecado

Se pecar fosse pecado
Teria condenação
Se pecar não fosse apenas
A humana condição
Se o homem não se julgasse
A si de dentro de si
Ao outro de fora para dentro
Ao outro por fora de si

Haveria então pecado
Se não pudéssemos pensar?
Haveria então pecado
Se não pudéssemos julgar?

Se pecar fosse pecado
Eu não saberia pecar
Assim peco a toda hora
Ao agir e ao pensar
Peco em cada julgamento
Em cada interrogação
Peco tanto a toda hora
Peco com e sem razão

Se em vez de bomba de sangue
Fosse teu meu coração
Era máquina de pecado
A turvar-me a vã razão

Ao ver-te assim já pequei
Ao ter-te pequei também
Pequei quando te beijei
Peco em ser tua refém

Haverá maior pecado
Do que amar sem ter razão?
Não será então pecado
Sinónimo de prisão?

Ou será amar assim
Só uma cega paixão?
Disfarçada de pureza
É no fundo possessão

Já que o verdadeiro amor
é livre na sua verdade
Já que acreditar em pecado
É sentir culpabilidade

Deixo aqui minha veste
De pecado e de vaidade
Fico nua só de amor
Inundada em liberdade.

É segredo

Peço o teu pecado
Peco que o já disse
Peço que o já sinto
Peco em ter pensado

Este meu segredo
Em mim tão bem guardado
É grande, é um gigante
É imenso, é pecado

Se agora to contasse
Em jeito de tratado
Mais de mil horas lias
Com rosto de espantado
Até de mim fugias
Com tamanho pecado

Peço que não o contes
Peco em ter-te contado
Foi mais do que devia
Foi tão precipitado

Pois quando é contado
Pecado bem guardado
Torna-se em julgamento
Fica desvirtuado

Assim segue pecando
em segredo humanamente
Que o verdadeiro pecado
É só por ti condenado
Tormento em ti é julgado
Cúmplice em ti e por ti
Desdobra-se velhas memórias
Até ser só passado.

adolescente retardado


Paul Klee " a cidade do sonho " 1921

fala-me de serras e de pastores, de campos largos
de outras humanidades que não as vulgares
assim como uma espécie de libertação
de ser obrigatório ler os jornais
de mergulhar nas complexidades existenciais
de telefonar sem fios, de correr e correr
correr muitos riscos para encontrar paredes planas
paredes moucas como objectos contemplativos.

fala-me de serras e de pastores não no sentido de sacrifício
como amplitude de saber: que uns são felizes e balem
se forem ricos e diversos os pastos durante o dia
quentes as palhas na recolha de luas e lãs crescidas.
que um abana a cauda por ser a sua causa cuidar do rebanho
para que não se perca e fuja ao perigo
da sábia raposa, do falso lobo.
e por fim o outro, aéreo e louco a escutar as aves
de capote em roda a ler a sombra das árvores
a erguer-se no cajado. abrir os braços.

e não me ouves queres que seja depressa
como um jovem atleta a devorar o guiness
a empurrar o mundo na ponta da seta
não lhe dar o descanso de um buraco negro;
ser um cumpridor progamado de tarefas
a voz de um computador numa odisseia no espaço
o poderoso decisor de apertar o botão vermelho
o ultrarápido corredor de tudo ou nada
de sangue e lágrima.

talvez seja verdade e as mulheres tantas vezes
são tão práticas. mas sou poeta sabes.
ilude-me como se gostasses das minhas palavras
das notas desafinadas de uma cana lascada
a servir de flauta, a soltar a dança
a roubar a cor ruiva dos lábios
depois de lançar o chapéu de palha
a cem metros de distância.

e não me ouves. dizes que não é poesia
que sou insano.
com esta alegoria – dizes - de adolescente retardado
com este sonho dentro da cidade
deixas o carro ao sol – dizes - um calor que não se pode.
e com o traffic na artéria principal ainda falta o combustível.
mas que grande chatice – dizes – como é habitual.

sorrimos.
fala-me de serras e pastores, de campos largos
e um refúgio com um pouco de colmo
num abrigo fresco de granito - digo
sorrimos -