sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

música e poesia


Richard Avedon


habitualmente a música empresta-nos os braços
e dança sozinha como as borboletas.
perante a exigência de um universo azul
de um universo rosa de um universo multicolorido
sublima os dias como um livro aberto
uma janela pousada no presente do destino
um lugar sentado nas cadeiras de orquestra do cérebro
descobrindo os signos as letras despidas
e os sons que dançam por vezes
no negro das avenidas
nos prados mais verdes
nos bosques mais escondidos.

habitualmente a música empresta-nos o lugar das fitas
num cinematógrafo sobre paredes brancas e vazias
desenrolando cenas implícitas, explícitas sobre os desígnios
e a subjectividade do sentir
revelando por vezes os vestidos secretos
de uma invasão de prímulas ou quadros múltiplos
reinterpretando a ausente realidade dos artistas.

e a música dança sozinha como as borboletas
sem braços nas pautas dos dias
na sua cor clara
nas suas asas de graffiti
a colorir espaços depois do éter
circulando intensamente na elegância dos desvios
nos loopings como se objectos invisíveis.

e a música empresta-nos os braços como linhas
em palavras rectas como setas ou enroladas como pétalas
nas quais por vezes se endoidece
sem lhes dizer dos medos e dos desafios
quando alteram as desordens infinitas
como árvores ladeando azinhagas longínquas
fronteiras de salgueiros margens indefinidas.

e a música coloca os dedos e encerra os olhos
e dança dança sozinha como as borboletas

e a música pode ser uma poesia
que não desafina nem se explica
apenas levita numa dança de brilhos
e decompõe o silêncio em fragmentos
fragmentos e harmonias -

José Ferreira 18 Fevereiro 2011

Talvez um dia se atinja a redução do pensamento


Oskar Schlemmer "Bauhaus Stairway

Talvez um dia se atinja a redução do pensamento
pela mediação do vento
E será essa a mais preciosa economia
O osso vibrará em consonância com o músculo
O joelho e o ombro serão um só adágio

Bastará a mão na página
para que uma ave branca siga a linha azul
As incertezas terão o frémito das folhas
A obscuridade será um oboé saindo do lodo
Um gafanhoto sobre a mesa restabelecerá o estatuto do universo

A melancolia do ouvido a estranheza da visão
em entrelaçadas estrelas líquidas
beberão a alma da solidão como uma linfa branca
e os fulvos frutos da terra estarão unidos
num indivisível acorde



António Ramos Rosa "Deambulações Oblíquas" Quetzal Editores