sexta-feira, 18 de novembro de 2011

para que o sonho aconteça



uma música minimalista soa incessante.
uma repetição de tempo.
a invisível visualidade de um teatro de marionetes.
fios, fios finos, que não se cruzam no acaso.
a energia é variável.
a hora muda e não há mudança na hora.
a pergunta surge, porque um pouco sobre o escuro,
porque é noite e está frio
e as ruas estão vazias como desertos sem rios
e os céus escondidos na constância da rotação nocturna.

dentro dos olhos fechados, a claridade num cadeado de diário.
a claridade que pode abrir um baile de Renoir
uma grinalda pendurada nas ruas de Paris
ou um barco que desliza assíduamente
no apoio de uma gôndola pelos canais mais lentos
entre palavras sussurradas junto à pele dos ouvidos
ou o descer dos sorrisos, uma corrida, até que o mar engula os corpos
os rodeie de espuma, e os traga de novo às toalhas estendidas
para que se libertem de todas as humidades de sal ;
a claridade tamanha na noite das prateleiras
onde o eu se perde, o sub some e o inconsciente assume
uma verdade completa e momentânea num campo de flores
rodeadas de lume -

no interstício mais ínfimo da memória há a cor do diamante
a esmeralda no rosto, o rubi directo e vivo
retomando a revolução sem forma, o poder do conteúdo
desfazendo-se pela manhã na totalidade do fumo
como folhas de Outono
que foram tão únicas e agora se juntam
no estaladiço dos jardins -

e os dias passam pelas tempestades dos segundos.

para quem lê de fora nada parece significar, apenas um intermezzo
um entretanto, uma indiferença
mas não é assim, não é menos vida, não é um planar constante
uma mente distraída.
são intervalos concretos e atentos entre realidades
que por vezes não se revelam criativas, sonolentas
evidentes -

intervalos, intervalos de ampulhetas de areias
como a música minimalista, a mimese dos gestos
nos trejeitos de um mimo, que não mostra a cara
e que por dentro insossega triste a incerteza,
a incompreensão de muitas mentes sobre a mesa
porque não existem territórios perfeitos,
isso são máquinas
ilusões fulminantes de cientistas
porque não se acredita na inteligência dos circuitos
e a pergunta surge:

imaginas, por exemplo um computador a ler Neruda e Shakespeare?
a escrever poemas e cartas de amor, achas possível, a quem se dirige?
quererá seduzir a delícia de uma aresta, a perspectiva de uma seda
que se afirma de metais e plásticos entre a sede de algoritmos?
essa é a diferença que diferencia o binário e o tecido, a célula clara
e a vontade de melanina -
essa a diferença que alimenta os comprimidos
quando as noites são longas e subsistem
sem revelar segredos, segredos escondidos
e a pergunta surge:

será que informaram o sol? para que se levante hoje devagarinho?
para que adormeça e resguarde um pouco mais a hora matutina?
para que tenha um pouco de preguiça e suporte a hora lisa?
para que a neblina não abrace depressa o dia?
é preciso que o sonho permaneça como asa luminosa
nas campânulas dos olhos,
como flores silvestres num campo vasto
onde abelhas saboreiem flores e voem baixo

dentro da cabeça, zzzzzzzz, um zumbido -

José Ferreira 17 Novembro 2011