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sábado, 21 de janeiro de 2012

Soneto a uma fotografia do calendário Pirelli


(fotografia do Calendário Pirelli 2012)

O seu cabelo preto parece escutar,
sua forma prendida em concha,
a praia nua espreita o véu na onda
escurecida na areia tremeluzente.

É o vazio que ajusta a própria luz
e na calma dobrada o banho adorna.
O fio de espera nos lábios agarrando-se,
contendo em recuo o som da corrente.

A rebentação nasce como arrepio e sal,
retém o centro, como rocha, rodeada
pelas vénias de rastejamento aquático.

A música que ela escuta e não vês
é barco que gela quando naufraga a tal,
batendo na espiral que talha o teu mar.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pensarás no homem dos teus sonhos

Continuo a pensar que não sei se é mau ou bom conhecermo-nos tão pouco. A verdade é que não sabemos nada um do outro. Por um lado é agradável porque assim não se rompe o mistério e continuamos a ser aqueles dois desconhecidos que se encontraram em Vila Praia de Âncora, no verão em que aprendemos que nada é mais poético do que o segredo de um olhar cúmplice e silencioso; por outro lado não podemos ignorar o que os dois de antemão sabemos. Se nos tivéssemos conhecido melhor talvez eu não fosse aquela menina tímida e displicentemente ingénua, nem tu o cavalheiro perfeito e encantador que eu vi pela primeira vez numa praia atlântica. Quem sabe se não será melhor continuar tudo assim, na distância, ainda que em dias melancólicos pareça que me sinto a calcar o mesmo areal límpido e fresco, como se a praia da pequena vila corresse pelo mundo fora e estendesse as pedrinhas mais brilhantes (aquelas que procuravas com as mãos quando da tua boca não saiam palavras), até a porta de tua casa.

Não sei se haverá um dia de todos os que teremos no qual nos possamos encontrar novamente. Também aqui é melhor as coisas ficarem como estão. Gosto de saber que este é o maior sonho da minha vida, ver o teu rosto, abraçar-te, saber de ti. Gosto de imaginar que este sonho condiz comigo por ser simples e grande, por se bastar a si mesmo e ter como sonho um caminho a percorrer.

Não te podia dizer nunca que és o homem da minha vida. Sou avessa a esse tipo de conclusões, como se quando um coração despertasse o fechassem logo, para sempre, numa caixa de sapatos. Mas tenho a lembrança dos contos de fadas que outrora me sossegavam, da menina que fui, dos passeios de pés descalços, dos presentes que abri e guardei, do que era o mar até um dia e noutro dia passar a ser outra coisa. Tenho a memória. E nela o medo de ter guardado na caixa de sapatos sem nunca abrir, o que trouxeste no dia que descobri que no fundo do mar não vivem só peixes e plâncton. E se da caixa de sapatos já nada teu pode sair, sou eu que tenho que entrar e fechar-me nela para resgatar os passos na praia, as ondas do mar, as pedras salgadas que distraidamente escolhias como uma criança solene. O teu amigo dizia que era um género de cerimónia de chá e que tu estavas convencido que arrancavas ervas invisíveis coladas às pedras. Lembras-te? E ríamos todos quando os rapazes encenavam a espera do auge da maré alta, momento no qual fervia o reflexo do sol no oceano, hora fidedigna para preparar o chá e contemplar o entardecer acompanhado de vagas promessas.

Hoje, um sentimento estranho advém dentro da caixa, e eu, descalça, penso nos teus pés a massajar a areia nua da praia de Âncora, como se soubesses que algo de incompreensível e natural em mim estivesse enterrado no campo das areias finas. E o teu antigo silêncio a recolher pequeníssimas pedras fizesse parte de um projecto de uma magnífica sepultura para o amor, que ainda hoje prossegues a edificar em minha honra, na altura do dia que o sol vai alto e desconhece as sombras. Por isso, mesmo depois de arrumar habilmente a caixa de sapatos, concedo a um comportamento não habitual em mim - confirmo levemente com a nuca quando ouço a cigana que me diz que és o homem dos meus sonhos mesmo conhecendo-te tão pouco. Então entendo o poeta que falou de almas insepultas. Entendo a força com que o mar recolhe em cada alvorada o monumento que me leva a pensar em ti como se de um mandamento íntimo se tratasse.


[A. Roma in "cartas de um jovem amoroso"]

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

cartas de um jovem amoroso

Pensei que o nosso breve amor tinha terminado. A sua última recordação seria uma distante chamada telefónica pelo Natal. Acreditei que tinha acontecido algo de muito bom na tua vida, que não necessitasses mais do que nos uniu; ou que, talvez vivesses algo de mau e estavas tão triste que não tinhas vontade de escrever. Não sei. Dei voltas sem fim e coloquei muitas hipóteses mas não cheguei a nenhuma conclusão satisfatória. Melhor, cheguei a uma, e essa talvez já a soubesse antes: que passasse o que passasse, mesmo que o tempo ditasse a sua lei, iria sempre recordar-te como o rapaz do sorriso mágico. O rapaz que só de olhar para mim fazia sentir-me bem, porque olhava de uma terra inteiramente desconhecida, mas que ainda assim era segura, como uma casa que atrai e acolhe com lírios os viajantes cansados.
Apesar que reconheço que mantive sempre a esperança de que um dia, uma carta tua, chegasse de novo às minhas mãos. E dentro das mãos, dentro de mim, nas marcas das palavras, pudesse olhar desenhado o palpitar nas covas do teu rosto, sonhando que precisasses da minha mediação para que o teu sorriso mágico nunca acabasse.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

o sucumbir de um isolado centro.

I
Um nome no muro
como fugir se regressa intemporal?
Esconjuro tatuado no fogo
conspira contra o afastamento do drama
Sensorial.

A terra treme - o homem teme,
a falha lendária rediviva
lento manto de arruinadas marcas –
fendas mal remendadas,
lamento de vegetação rasteira

costurado por material inflamável.

Soterrado o muro
escava minúsculos veludos
com luvas de mercúrio
ao encontro de vestígios
de um nome puro.

II
"O fundamental é enterrar os mortos e cuidar dos vivos."
A comunidade internacional providencia meios, e cães
feios treinados para encontrar cadáveres. Multiplicam-se
as declarações de solidariedade pelo mundo. Abrem-se
contas nos bancos de areia. Chegam
à alfândega contentores de ajuda humanitária
provenientes das nações dadoras de castelos e água potável.

A vida continua…
contam-se votos para a melhor foto do terramoto.
Vaticina-se num balanço provisório o número de mortos da terrível tragédia.

Que sorte o dístico salvar-se no tubo de ventilação
do ar condicionado do autopulman acidentado.

O corpo do nome infectado por excesso de pó real
contraía o ar afecto aos pulmões,
aquecia memórias anónimas auto-reguladas e

sobrepostas ao epicentro do sismo actual,
esperava o resgate das equipas de salvamento
especialmente recrutadas para o efeito.

III

Soterrada a inscrição do amor
melhor seja gritar o nome dentro do nome
a derradeira raiz soletra a despedida ao mundo
pequena réplica de última pétada chama-te
ao recolher-se no lodo das ruínas
do escaparate vandalizado.

Antes do apagamento debaixo dos escombros
acena o prolongamento de pesares circunstanciais
no gaguejar trémulo de magnética finitude
de um tartamudeado nome que assuste:
Ma… Ma… Maria Madalena.
A Maria que arrebenta na boca dos mares
A Madalena - memória magna de Proust.

Louvado sejas - nome possível -
levas no colo o mundo sem chão,
pelo menos em ti
não há arrependimentos

nem má loucura.

Ma… Ma… Maria Madalena.