segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Vinicius e Pablo Neruda

Em tempos ouvia com frequência uma cassete (fita magnética inscrita da pré-história da tecnologia) de uma actuação ao vivo de Vinicius, Toquinho e o Quarteto em Cy. Neste registo havia lugar à poesia (a poesia também é um lugar... um refúgio que pelo menos a mim me preenche, dá espaço ao sonho e ao tempero das emoções) e havia uma sentida homenagem a Pablo Neruda. Dizia o grande poeta brasileiro :" malvado ano de 1973 que levou de uma só vez três Pablos, não três Pablitos... três Pablões" referia-se a Pablo Picasso, Pablo Casals e Pablo Neruda cada um em sua superior arte sem substitutos.

Nesta recordação resolvi publicar dois poemas que a voz inconfundível de Vinicius recitou na companhia (tantas vezes minha) dos acordes perfeitos de Toquinho e um coro celestial das vozes femininas do Quarteto em Cy, terminando na apoteose final de palmas (...e ruídos das gravações imperfeitas, alguns encravamentos que engoliam as fitas e obrigavam ao enrolamento manual com a ajuda de um lápis levando a fita à frente e atrás na esperança de conservar a preciosa cassete, o que foi conseguido).

Não vos chateio mais com conversa de "chacha", aqui vão os dois sonetos:


Soneto de homenagem a Pablo Neruda

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor - dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o Cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor - o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
celebro-te ainda além, Cantor Geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
mas mais e melhor do céu entoas
teu furioso material!

( 1960 )

De seguida Vinicius leu um outro soneto escrito em 1938 a bordo de um barco que o conduzira a Inglaterra. Chama-se "Soneto da separação" e foi aqui adaptado à partida do grande poeta chileno. ( algo que nunca acontecerá porque nos deixou a sua poesia )


Soneto da Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais do que de repente
Fez-se triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.



Espero que gostem!
Saudações poéticas a todos!