sábado, 4 de dezembro de 2010

Às vezes...quando acordava


André Kertész

às vezes... quando acordava
era porque tínhamos chegado

ficava a bordo encostado às amuradas
horas a fio
espiava a cidade e as colinas inclinando-se
para a noite lodosa do rio
e o balouçar do barco enchia-me de melancolia

a noite trazia-me aragens com cheiro a corpos suados
cantares e danças em redor de fogos que eu não sabia
o ruído dos becos a luz fosca dum bar
se descesse a terra encontrar-te-ia... tinha a certeza
para o voo frenético do sexo
e num suspiro talvez alargássemos os umbrais da noite
mas ficava preso ao navio... hipnotizado
com o coração em desordem
os dedos explorando nervosos as ranhuras da madeira
os pregos ferrugentos as cordas

as luzes do cais revelavam-se corpos fugidios
penumbras donde se escapavam ditos obscenos
gemidos agudos sibilantes risos que despertavam em mim
a vontade sempre urgente de partir

Al Berto "O medo"