terça-feira, 2 de agosto de 2011

escutar as cordas do céu horas seguidas


fotografia de bosque retirada daqui

ineficaz o silêncio quando sopra o vento leste
que apluma a mente e solta as palavras
leves e libertas, dos fios fortes da marionete-mundo
até à apoplexia de um imensidão de ar
inesgotável, presente, invisível e transparente;
sinto-me, vivo, respiro.

escutar as cordas do céu horas seguidas -

procuramos menos do que devíamos
as asas luminosas para além das nuvens
enjaulados nas paredes do quarto
insistindo cegos no transporte de portas fechadas em frente aos óculos
escurecendo a insustentável leveza de uma semente crescida nos braços
até à folha verde que assume o risco de ser primeira
de não querer ser única, inútil e sozinha
o ser advento de uma sombra protectora por sobre a terra ainda húmida.

as casas e os quartos herméticos, conservados, desinfectados, não libertam os lagos
a prata dos espelhos flutuantes
são cinzentos como cinzas de chamas extintas
impondo a condição de não benefício de tonterias;
a arte, o poema, a surpresa, a lua branca disponível
a imagem pela corda de poliamida; nylon forte, seda fina -

existe um anzol de cimento no fundo dos pés atrasando o passo
no bom mundo falso, mundo epidérmico, sem magma
incêntrico como um íman, um sorriso no retrato
os dentes brancos e os pulmões abismados de carbono
intoxicados, incondizentes com o folclore da festa
os ouros em pó nos espantos de uma agonia, previsível -

os buracos abertos das bombas lembram rotinas
as fomes lancinantes da Etiópia e do Sudão, rotinas
os discursos políticos e as notícias, rotinas
a radioactividade de culturas monolíticas, rotinas
a cor dos táxis e autocarros, rotinas
as chávenas de café, gastas no esmalte dos bordos, rotinas
os lábios lassos, os olhares e os braços caídos, rotinas
os nascimentos, baptizados, aniversários e funerais, rotinas
a cor das batinas erguendo hóstias e penalizando ousadias, rotinas
os anjos nus de trombetas e em alegorias, rotinas
as buzinas agudas e dissonantes, rotinas
os bicos tristes dos pássaros em piadeiras aflitivas, rotinas
a inclinação cega e amarela dos girassóis, rotinas
uma bata azul, a pele preta, um pano molhado sobre vidros, rotinas
uma gravata às riscas, florentina e um lenço sem uso, rotinas
as palavras mortas dos clássicos e as descompostas modernas filosofias, rotinas
as praias nuas, os ventos de verão e o frio branco da espuma, rotinas

as rotinas são esquecimentos da alma, nascentes de breu, névoas infelizes
e os bosques estão vazios -


José Ferreira 2 Agosto 2011