terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Cio

Encher de Atlântico todos os países que perco, tirar
O til à expressão nacional, ser tudo o que passa e ficou por dizer,
Construir um sonho em grande angular

Rechear o Atlântico da Vontade de estar em ti
só ser tudo aquilo que te arde e se ri

A dor é o melhor gerador, porque cria e levanta:
Permite o aforismo, cria o Cio da gente


Todas as luzes laranja de Apolo se incendeiam quando te ris,
Todas as sílabas se humedecem como um cavalo marinho cheio de cio
E são só borboletas de asas azuis à procura de um emprego, com vontade
de passar os textos a Word, porque só tem sete dias. Guardar lamas no Peru, ser o eterno pastor em procura – Ser Tu e todos que ardem, ser as lamas espalhadas com meninos em cima.

Tudo o que se espelha e é espelho dentro


Nuno Brito



“A realidade provém da ficção”

Satoshi Kon


*

Os sonhos a masturbarem-se, a encherem-se de tinto
A arca de Pessoa, todas elas a Literatura abre, o irmão dos
séculos, o irmão de Kafka que por não queimar acende,
o teu riso de todos os sabores; O que é uma arca por abrir?



Nuno Brito


Carrilhão suíço

Ser um armador de mão firme e dura, tudo
O que é nó, amarração e segura
– união traço, muitas portas a abrir
Alarme de várias luzes laranja, o vento que as abre

abelha que traça a sua rota firme,
sino de bronze que nos adormeceao mesmo tempo que acorda,
menina a ouvir o carrilhão suíço
a dar à corda a manivela mecânica, como espera
ainda viva e vulcânica

Ser só alarme e traço seguro, nós,
ter sido o que não perdura, A maré aflita a levar um e outro barco
A dama que aproxima
O carrilhão que parte



Nuno Brito

atmosfera


Cartier Bresson "Brie" 1968


por hábito colocava sinais nas folhas dos livros
poderia ser aquele bilhete de um cinema francês
com muitos diálogos e declarações de alma
registado no w de uma fila, no ímpar
de um número, na cor cinza de um timbre;
um registo de futuras memórias, as duas
a página e um filme.

dizia:
as palavras dos livros têm dedos firmes
que nos chamam, têm a voz que acorda
que nos prende e agarra a que chamamos nossa
e o pressentimento de que quem escreve
sabia da nossa atmosfera, do nosso mundo;
se gostamos dos passeios na penumbra
ou das cores luminosas de uma praia;
e sabe a côr, e sabe a hora, a hora muda
a hora exacta da leitura.

dizia:
as palavras dos livros abraçam
como naquele romance de outra época
um êxtase feliz de Vladimir e Zinaida
por debaixo de um xaile ou a dobar malha
e o encontro de um rosto, e um outro rosto
e o decoro vestido de rubro a despertar o sonho.

Grande Angular

I.


Quis ser realizador de cinema mudo
e captar a
câmara negra, o registo quente e solar:
do teu sorriso, monólito aceso de obsediana e
voo perfeito, captar num ângulo Múltiplo um abraço e
tudo que é gente e Sobe
ser só ângulo de encontro e perca, tudo que queima, derrete e chove

Sonho de borboleta africana, pirilampo e urso polar;
Concerto de muitos sinos e do Chile inteiro no fundo do mar,
unir os sonhos por novelos de espuma
Recheá-los de tudo o que está por fundir,
Ser a Gente que veio e a Gente que há de vir



II.


Unir dois sonhos numa grande angular
Induzir a Pluto que se torne gente e só vontade de errar,
Comboio que acende e passa a fronteira
Comboio com todas as pontas acesas, só Desejo de Abraçar




Nuno Brito

Sunser Boullevard

II


Abrir um baú, possuir um século Inteiro
fechar-te os olhos num beijo, ver neles explodirem
e renascerem em Super Novas todas as estrelas que
abrem portas – és só as portas que elas abrem, os caminhos a percorrer, uma criança que brinca sozinha,
pensando que ninguém a vê, mas que está em directo na Sky news,
com a sua inocência exposta, uma criança que é um século que te arde no queixo e adocica o palato, uma criança que é só queixo e multidão (todos os que sobem e descem) ser o fim da tarde a beber e a vestir os seus calções justos:
os séculos e as pernas a tremerem,
só instante, como qualquer gesto humano.

Tudo é febre e dança sem controlo
ponta e mola, agulha: Tudo que acende um Abraço.


Nuno Brito

O Grande Arquitecto

Agora lembrei-me do Hélder e das suas mãos compridas,
que mais pareciam azeite e tempestade de areia fina, agora lembrei-me que o Atlântico estava sempre dele em redemoinho e o sugava para dentro concêntricamente até, um limite Negro, (Lembrei-me da sua forma inclinada – com que fazia tudo, como se estivesse a rezar: lembrei-me de nos seus olhos ver vários pinguins e atirarem-se para coisa nada, o fundo do lago, da alma, o vazio de um armazém, um raciocínio rápido – Como guardava a Foz do Rio com Mahler nos ouvidos – Como lhe corria uma rio na coluna cheio de seixos finos. Vi também uma tempestade de açúcar em todos os portos do seus pulmões aguados, cheios de serradura e cascalho no fundo - Os nós que Fazia dentro de tudo: O seu hálito virado a norte, agora lembrei-me que a amizade é de todos os arquitectos, o mais forte.




Nuno Brito

Água que espera

Às vezes acontece ser um meta-barco
ou um meta poço que desalinha a sua rota concêntrica
só para te ver sorrir, e é só fundo e água ainda por vir

o seu meta-capitão assustado e de
cara nenhuma a comprimir nos dedos finos o musgo que lhe serve de gel ao cabelo ondulado

Saber-se viagem de cais nenhum, A mulher e o relâmpago que o espera
Todos os baús que abre,

A rota que lhe adoça a boca





Nuno Brito

O Atlanta



A arte nunca é terminada, só interrompida e abandonada

Leonardo da Vinci



Lembro-me muitas vezes das histórias dos Atlantas que me contavas, na sua rota geométrica que era só tinta e malhada na espera,
esperavam virados para o mar, os europeus, Um amigo que acendesse Tudo

quero-te tornar o Atlântico num sopro,
numa Sofia que cresce num búzio e que é salgada como a voz búlgara
e é também minha mãe
o oceano que nos une, chuva que te cai na cara
que te cai no passeio, na pedra trabalhada
que incendeia Tikoman, a minha mãe, o vento
sinto pena de não te ter beijado em bombazine claro


Pensei que este poema nunca fosse escrito, porque seria sempre acrescentado
Dama aflita que uiva e grita em frente à Calvin Klein, procurei uma forma clássica
de te dizer que te Adoro, não há forma para a amizade, o que cresce está sempre incompleto, a vontade de rechear o mar de relâmpagos que sentia Luís Miguel Nava,
O abraço que te serve de Escada

Cantiga de Amigo eterna e a ser feita, Sempre em Ti

a luz está acesa


Nuno Brito

Fila para Avatar

O meu avatar fala sozinho e
tem um gorro azul feito de memória e loucura
está recheado de sombra roxa e pôr do sol, Outro dia
na fila do cinema disse-me que criou dez heterónimos,
perguntei-lhe porquê o número redondo e porque confundia
sempre poesia e prosa,

O meu avatar é só riso espalhado
Sinto nos seus olhos azuis e cabelo ondulado
a vontade de ser toda a gente, Ladrão na Austrália, pregador escocês,
professora de Yoga, Prostituta no Marquês,
vendedor de alhos filipino, sucateiro na Amadora,


O meu avatar criou dez heterónimos de olhos cansados - disse-me na fila do cinema,
que tinha medo do escuro

Medo que o escuro o recheasse por dento, como uma procissão silenciosa de virgens negras ou búfalos subaquáticos
Contou-me que os seus heterónimos são gente educada com corpos de silêncio, desejam uma boa jornada a este e àquele que passa, perguntam mutuamente a hora, mesmo sabendo sempre que hora faz.


Têm necessidade de falar, às vezes entram todos num café e pedem um copo de água. Seguem o telejornal às riscas com os seus gorros azuis e escrevem no seu gesto quadriculado um ou dez poemas de amor:

O meu avatar chama os heterónimos dos seus jogos de azar, e conta a todos eles uma história de amor, encomenda-lhes um ensaio sobre este ou aquele autor, uma corrente de vanguarda, coze-lhes os calções rotos da jornada,

Leva-os a ver o pôr do sol e a todos eles alinhados diz que a paisagem é bonita, mete-os na fila do cinema enquanto vai comprar bombocas, manda-os ir evangelizar a Escócia, enquanto fuma um cigarro em todo o lado, já só átomo com vontade de se fundir a outro átomo, para que a União seja a calma.

Vejo nos seus olhos, vária gente que escreve
Às vezes enquanto tira as meias ou as calça, pergunta-me sobre a utilidade da literatura e reparo que ele se parece uma nuvem,
Uma nuvem carregada que se olha ao espelho, guardo no vidro transparente a sua calma e chuva tropical , e vejo no espelho toda a gente com máscara e sem a Máscara,

a máscara é também gente:
O que se calca é também o que se é)

É então que ele diz: Tu és queda livre e curva que não passa mensagem nenhuma.
………………………………………………………………………………………………………...

Não tenho argumentos contra esse gorro azul

Recheio-o de medo e vamos ao cinema – Preenchemos todo o quarteirão Coppedé, esperamos que o sol se ponha, olhamos as máscaras gregas de pedra, a coluna clássica de cada varanda, vemos sem ver a gente lá dentro, descalça a ouvir o seu Tango, - às vezes atira-se de uma varanda e dá-me a mão pequena dizendo – Tu não passas mensagem nenhuma, és só queda e confusão – O Vento tira fotografias às máscaras e a nós todos, revela-nos, no musgo, nas paredes no riso, no fundo de todos os poços, no espelho – Este querer estar sempre em ti, ser já só fronteira, o avatar a comer com a boca cheia de espuma de morango, diz esta e aquela sentença, ouço-o com atenção – Pergunta-me sobre a necessidade de registar? Diz depois parecendo um triângulo – Toda a memória provém do sol –

Guarda muita coisa ao mesmo tempo e é só riso a espalhar,
escreve a negrito as sentenças de maior relevo,

Umas vezes não pergunta e é só dança outras é
fronteira e meta-susto que se alimenta,
recheia-se a si próprio de vento
Estamos na fila, na tela e no acento.



Nuno Brito

Spritz*

A noite tem a veia inchada e a cara múltipla e acesa
que tudo guarda – a noite não trabalha os seus textos e é a realizadora
mais perversa, tem as suas próprias leias e viola as suas próprias leias,
feitas de fio grosso de ovelha com que coze a mini-saia vermelha, A noite não usa metáfora
e varre com a sua enchada todos os que a usam, faz curtas metragens que não regista, porque não é preciso registar que aquele não pagou e ficou no
fundo do rio com a barriga inchada; a noite apagou essas provas e organiza festas no Lusitano, é travesti que entra em todos os bares e pede um Spritz, perguntei o caminho para a biblioteca a vários gatos negros, todos me indicaram o caminho ou a perca, com a sua voz que parecia de Gente


As suas leis são parecidas às do voleibol com bola em chamas ou aos mais complexos jogos de Azar,

*

Toca Óscar Petterson e Carlos Parede com os seus dedos escuros e Acende-os, é apenas um cartógrafo com coragem, que traçou vários equadores no seu próprio peito para que não
Dormisse nunca e tornasse
qualquer registo fútil
A noite disse:

Tu usas a metáfora meu filho!


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Frita com areai fina
em vez de pão ralado
tatua em agulha fina, os braços magros do injectado
e as bordas dos sonhos dos que dormem Muitos na Estação Termini

A noite não permite o poema social, veste o seu soutien de estrelas ou areia Fina
Entra na Brodway – Kadoc – Na ourivesaria para roubar,
Viola as prostitutas que não aparecem no dia seguinte na Estrada Nacional,
Em que século foi? O crime da Gucci? Onde comprou esse gorro?

A noite é a fingir


Nuno Brito

Meta-Barco

Pudéssemos ser um meta-barco
ou um meta-poço no seu fundo sonho de abelha
E já nem barco nem poço - Só mel e asa torta
Te faça explodir em riso e brilhar – meta barco e meta poço,
vontade de te abraçar.



Nuno Brito