sexta-feira, 30 de abril de 2010
o prédio no meio dos outros prédios
Cidade de S.Paulo no Brasil
-----------------------"o eu é um movimento na multidão"
-----------------------Henri Michaux
o prédio no meio dos outros prédios
tem paredes tem alicerces
mas não tem braços.
por vezes assim a noite
de um lado e de outro lado
os ombros férreos apertados.
o prédio no meio dos outros prédios
tem janelas e uma porta clara iluminada
nas costas o tijolo cego
de costas um outro prédio.
por vezes assim são os lugares do medo
cintilantes na claridade frontal
sombras de cera e chama ténue
no interior de um quarto vasto.
o prédio no meio dos outros prédios
quando chove conduz as águas nas telhas
para o espaço contínuo de um pequeno rio:
é esse o objectivo
que as águas se juntem se tornem maciças
no som no ritmo na procura dos caminhos.
por vezes assim é o pensamento
que acrescenta esta e aquela sequência
e a consequência de um sentido uma linha
feita de asfalto granito ou terra batida.
há uma mão gigante atrás de cada indivíduo
recolhendo a linha como um fio
enrola enrola agarra o novelo
como um muro sem porta
aponta o caminho em frente sem reverso:
- não há regresso continua!
o prédio no meio de outros prédios
pode ganhar braços comos as árvores
arrancar raízes no orgulho de ter pernas
abrir janelas e andar pelo meio das ruas
dos carros autocarros e bicicletas
até encontrar um parque, muitas árvores
desfolhar cortinas –
por vezes assim são os quadros os poemas a escrita
a revolta de um grito -
Do amor ufano e descortês
Não, nem mesmo inscrito em aulas de cavalaria
lendária, cursos de idealização à distância,
seminários sobre as últimas consequências
de estar vivo eu pude permanecer.
Os livros diziam que os teus olhos criavam um campo magnético
sinistro, e que depois matavam o macho que havia nos meus.
Todas as cartas de amor se revelaram de leitura difícil,
aplicada a prisão preventiva em todos os meus interesses.
Contei uma a uma as tardes de hipocrisia geral,
tardes de folclore, sorriso inacabado e detergente.
Meu deus: o que eu tentava permanecer
sem permanecer!
Agora chega.
As minhas mãos têm GPS integrado
mas tão longe das tuas estão
que não há satélite que as enuncie
na rua onde vives, na casa onde moras
no quarto onde dormes, talvez vestida de drama
de amor ufano e descortês.
Nem a espada, nem a bússola assintomática que comprei
nem o mapa do tesouro do teu corpo pixelizado no meu
no momento em que liguei a câmara e todas as luzes doeram
fizeram com que eu permanecesse
no ecrã e na tua relativa ucronia.
Quixote tinha razão: havia com certeza um vírus qualquer
na forma como os moinhos de vento agitavam as suas velas
sem se verem.
E claro: um rocinante de 1987, cheio de ferrugem,
dejectos de memória imprópria, cinzas e infiltrações
de todo o tipo, nunca fora muito favorável
às prosaicas esperanças das raparigas.
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