segunda-feira, 11 de julho de 2011

Uma carta no livro de Philip Roth


Eliseu Visconti

"Sim lembrava-se dela e da sua história e de ela lhe ter pedido que matasse o marido, como se fosse um ganster de cinema e não um simples doente num hospital psiquiátrico que, apesar de corpulento, era tão incapaz como ela de pôr termo ao seu próprio sofrimento com uma arma. Abundam os filmes em que as pessoas se matam a torto e a direito, mas a razão pela qual se fazem todos esses filmes é que 99,9% são incapazes de o fazer."

A carta:

"Talvez você não saiba, mas o facto de ter ouvido a minha história com atenção contribuiu para que me aguentasse. Não que tenha sido fácil. Não que o seja agora.Não que alguma vez venha a sê-lo. O monstro com quem fui casada causou danos irreparáveis na minha família. O desastre foi maior do que eu sabia quando fui hospitalizada. Vinham-se passando coisas terríveis desde há muito tempo sem que eu soubesse de nada. Coisas trágicas que envolviam a minha filhinha. Lembro-me de lhe ter perguntado se não queria matá-lo por mim. Disse-lhe que pagava. Pensei que você podia fazê-lo porque era muito grande e forte. Você foi compreensivo e não me chamou de louca quando eu lhe disse aquilo, deixou-se ficar sentado a ouvir a minha loucura como se eu estivesse no meu perfeito juízo. Estou-lhe grata por isso. Mas há uma parte de mim que nunca voltará a ser mentalmente sã. Não pode ser. Estupidamente condenei à morte a pessoa errada."

Philip Roth "Humilhação" 2011

De um poema de Pablo Neruda - O homem invisível




...e olho as estrelas
deito-me na erva, passa
um insecto cor de violino
ponho o braço
num pequeno seio
ou sob a cintura
da doce mulher que amo,
e olho o veludo
duro
da noite que treme
com as suas constelações congeladas,
então
sinto que sobe à minha alma
a onda dos mistérios,
a infância,
o choro às escondidas,
a adolescência triste,
e dá-me o sono,
e adormeço
como uma macieira,
fico a dormir um instante
com as estrelas ou sem as estrelas,
ou com a amada ou sem ela,
e quando me levanto
foi-se a noite,
e a rua despertou antes de mim...

em Poesia do séc XX Pablo Neruda Trad. Fernando Assis Pacheco "Antologia Breve" Dom Quixote, Lisboa 1977