terça-feira, 26 de maio de 2009

Torga

CANÇÃO DO SEMEADOR

Na terra negra da vida,
Pousio do desespero,
É que o Poeta semeia
Poemas de confiança.
O Poeta é uma criança
Que devaneia.

Mas todo o semeador
Semeia contra o presente.
Semeia como vidente
A seara do futuro,
Sem saber se o chão é duro
E lhe recebe a semente.

Miguel Torga

Paradoxo 41

De tanto querer
Esquecer a dor que trouxeste
Não lembro agora a dor
Não lembro há muito mais
O amor inteiro que me deste.

É tanto o arrependimento
De pisar no esquecimento
A desilusão que já não és
Que hoje quase volto atrás
Procurando as feridas

Rebobinando o drama
Para amar-te,
Para que possa lembrar
O amor inteiro que me deste.

Teatro da boneca

A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca.
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora também já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.

E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca arromba as portas de todos os armários.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.

É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.

A boneca.

A boneca.

(in Litoral nº1)

Regresso...

Caros amigos/as poetas,

certamente ninguém se lembrará de mim porque eu fui aquele que vocês viram apenas na primeira aula, já muito e muito distante, da primeiríssima sessão, em Setembro. Percalços, imprevistos, enfim, toda uma núvem de coisas e mais coisas que me desviaram desse vosso caminho e das vossas invejadas aventuras poéticas!

Pois bem, agora estou de volta - e para o ano lá estarei, regressarei à poesia convosco! Como o título de um livro que ando a ler, estou 'perdido de volta', e às vezes, às vezes é preciso perdermo-nos para nos sabermos encontrar no sítio certo de novo!

Por isso, as minhas sinceras desculpas pelo desaparecimento.
Fica uma nova página recente: circodesombras.blogspot.com, para quem quiser saber 'mas quem é ele afinal...'.

De resto, nada mais a acrescentar. Vou ficando.

David Campos Correia