quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Um dizer ainda puro


Klimt 1911


imagino que sobre nós virá um céu
de espuma e que, de sol em sol,
uma nova língua nos fará dizer
o que a poeira da nossa boca adiada
soterrou já para lá da mão possível
onde cinzentos abandonámos a flor.

dizes: põe nos meus os teus dedos
e passemos os séculos sem rosto,
apaguemos de nossas casas o barulho
do tempo que ardeu sem luz.
sim, cria comigo esse silêncio
que nos faz nus e em nós acende
o lume das árvores de fruto.

diz-me que há ainda versos por escrever,
que sobra no mundo um dizer ainda puro.


Vasco Gato, "Um Mover de Mão" Assírio & Alvim