segunda-feira, 5 de julho de 2010

Palavras para a Europa


(pintura retirada da internet))


Eu, americano das terras pobres,
das metálicas mesetas,
onde o golpe do homem contra o homem
se junta ao da terra sobre o homem.
Eu, americano errante,
orfão de ros rios e dos vulcões que me geraram,
a vós, simples europeus
das ruas tortuosas,
humildes proprietários da paz e do azeite,
sábios tranquilos como o fumo,
digo-vos: vim aqui
para aprender convosco,
com uns e com outros, com todos,
pois de que me serviria
a terra, par que se fizeram
o mar e os caminhos,
senão para ir olhando e aprendendo
um pouco de todos os seres.
Não me fecheis a porta
(como as portas negras, salpicadas de sangue
da minha materna Espanha)
não me mostreis a gadanha inimiga
nem o esquadrão blindado,
nem as antigas forcas para o novo ateniense,
nas largas ruas gastas
pelo esplendor das uvas.
Não quero ver um soldadinho morto
com os olhos comidos.
Mostrai-me de uma pátria à outra
o infinito fio da vida
cosendo o fato da primavera.
Mostrai-me uma máquina pura,
azul de aço sobre o grosso azeite,
pronta para avançar nos trigais.
Mostrai-me o rosto cheio de raízes
de Leonardo, porque esse rosto
é a vossa geografia,
e no alto dos montes,
tantas vezes descritos e pintados,
as vossas bandeiras juntas
recebendo
o vento electrizado.
Do volga fecundo trazei água
à água do Arno dourado.
Trazei sementas brancas
da ressurreição da Polónia,
e das vossas vinhas levai
o doce fogo vermelho
ao Norte nevado!
Eu, americano, filho
das mais vastas solidões humanas,
vim conhecer a vossa vida
e não a morte, e não a morte!
Não atravessei o oceano,
nem as mortais cordilheiras,
nem a pestilência das prisões paraguaias,
para vir ver
ao pé dos mirtos que só conhecia
nos livros amados,
as vossas órbitas sem olhos e o vosso sangue seco
nos caminhos.
Ao mel antigo e ao novo
esplendor da vida é que vim.
à vossa paz e às vossas portas,
às vossa lâmpadas acesas,
às vossas bodas é que vim.
às vossas bibliotecas solenes
de tão longe vim.
Às vossas fábricas deslumbrantes
venho trabalhar um momento
e comer com os operários.
Nas vossas casas entro e saio.
Em Veneza, na bela Hungria,
em Copenhaga me vereis,
em Leninegrado, conversando
com o jovem Puchkine, em Praga
com Fucik, com todos os mortos
e todos os vivos, com todos
os metais verdes do Norte
e os cravos de Salerno.
Sou a testemunha que vem
visitar a vossa morada.
Oferecei-me a paz e o vinho.

Amanhâ cedo partirei.

Espera-me em toda a parte
a primavera.

Pablo Neruda " As uvas e o vento" Campo de Letras (Trad. Albano Martins)