sábado, 1 de novembro de 2008

Sobre a vida

Trago a vida debaixo dos pés
Caminho a destino incerto
Vou colhendo abraços e amassos
Enchendo o deserto
Esvaziando marés e sonhos
Recortando os pedaços do tempo
Apanhando peças de puzzle em segundos

Trago a vida debaixo da pele
disfarçada na calma tranquila com que te olho
um espelho onde se esconde a metamorfose
o vazio espaço do teu colo

Trago a vida em cima dos ombros
na rotina que carrego sem pensar
nas cargas que eu abraço e me afundam
a vida adormecida
o teu abraço dentro de mim

o cheiro quente dos biscoitos da minha mãe
o sorriso infantil da minha mãe
trago a vida debaixo dos sonhos
trago os sonhos debaixo da vida
a minha mãe dá biscoitos aos meus sonhos

corro parada de vida
a vida é essa mistura de seiva e terra
de morte e tédio
de gente
muita gente em nós
somos tanta gente

trago a vida em caixas e em fotografias
debaixo da minha retina
inundo os receptores da vida num copo de vinho
os nossos cérebros são memórias
abro as caixas aos poucos
vou dando presentes e abraços
guardo o sol da minha infância em caixas

guardo os meus nomes em faixas
as listas de nomes e rostos
gente
muita gente em nós
somos muita gente
é isto a vida
o encontro
da gente com gente
sempre eu e a minha vida e a minha gente
Trago gente debaixo da pele
Trago vida em cima da gente

A vida é um abraço do cosmos
Uma matéria que se uniu em poesia de gente
Fragmentos de sombra e luz
Embalados num ventre de estrelas e sonhos
Um sono irrealmente desperto
Uma fantasia concreta
O sabor salgado das lágrimas
As emoções invisíveis que se palpam
Escrevem-se no corpo

Trago a vida no corpo
O corpo estéril que se enterra
A terra
Os caixões dobrados do sofrimento
Trago a vida em caixões
Trago a vida em caixas

Amo a vida crua que trago debaixo da pele
Os ramos, o tronco e as flores
Somos árvores com muitas raízes
Muita gente
Tanta gente em nós

Trago a vida em sorrisos
A vida é um sorriso sem razão
Um mistério sem segredos
A objectividade da chuva

Trago a vida em palavras
Num rumo incerto como a vida
Num poema grávido de incerteza
Trago a vida debaixo do céu
Debaixo de abraços

A vida somos nós a dizer os nossos poemas
A encontrar os nossos lemas e as nossas verdades
Somos nós a escolher
Sempre a escolher
Mesmo quando não sabemos
Escolhe a vida
Ou ela escolhe-te a ti

Trago a vida debaixo de jornais
A vida vem em jornais
Vende-se em revistas
Não!
A vida não se vende!
A vida inventa-se
E reinventa-se
Volta-se
Revolta-se
Dá voltas
E revoltas
A vida é tão grande que nunca vai caber neste poema.