segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Estudo para um retrato da electrocussão




Liga-se o tempo à tomada
e logo se projecta luz
sobre todos os acontecimentos.

Ninguém quer reprovar a Cronometria
Descritiva, fazer exame a Eternidade II,
ou ir à oral de Ciências da Condição
e ser expulso da única escola de ser
por motivos poucos nítidos,
entre a insurreição, ainda que terna,
e a inconsequência terminal.

Ninguém quer aparecer nos jornais
famoso por ter falecido da forma mais vulgar
de que há memória e registo,
ainda que saiba previamente dos pactos de união
entre a sua morte e a posteridade relativa
da sua morte feita notícia
e seja partidário do sofisticado sistema político
praticado por aqueles para quem a inexistência
passou a ser um modo de vida,
tentando inclusive ascender a lugares de topo
na empresa plena da dissolução.

Ninguém mesmo em vão denuncia
o prejuízo deste corpo profético,
e o seu porte atlético alterado
por gerações e gerações
de telómeros obscuros
e histórias de amor
e deficiências profundas
expostos como estamos às máscaras
de oxigénio
e ao cinema apócrifo
da sedação.

Afinal, é sempre a mesma gota que cai
uma a uma iniludível do céu,
e que cai sobre a tomada do tempo
e que veste de rosas uma electrocussão.