quarta-feira, 21 de abril de 2010

tempos aos toques

falei com ela

disse-me que os rios tinham pressa
e havia brisas quentes que falavam

cristo não tinha nascido
e a expectativa era grande
e uma amiga muito calma
tinha sido queimada pela alma

perguntou-me pela palavra

contei-lhe de traumas
padres
inteligências emocionais
e interacções fundamentais à distância
para acalmar

a brisa ainda fala
com cuidado

apontou para trás de mim
e sorriu
sem ruído

Breve História do Fim





Passei a tarde a conversar com o meu epílogo.
Ou melhor: com um assessor do meu epílogo.
Trazia uma mala e da mala tirou más notícias
que espalhou em cima da mesa, depois de ter
pedido um café e uma água com gás natural.
Depois dos prolegómenos para uma visita
tão inesperada quanto necessária e invasiva
o assessor do meu epílogo leu uma enorme carta
onde se discutiam os meus remotos direitos à vida
entre uma e outra piada de mau gosto
e algumas considerações um pouco antiquadas
sobre a velocidade do fado na sociedade actual.

Comunicar-me o abreviamento da minha vida em dez anos –
apenas por ter fumado e bebido muito na noite anterior –
tinha sido o único motivo pelo qual teria feito aquela viagem.
Você está quase sem pátria, homem – disse-me ele
enquanto afagava um gato imaginário no seu colo protocolar.

Perdido por dez, perdido por mil.
O sol metálico da tarde encurralava-nos
aos dois numa sombra exígua e o meu homólogo
descontraiu um pouco e foi-se deixando ficar
como um empregado mal remunerado pela sua condição
e depois de ter a consciência limpa
e o estômago cheio de poemas, cervejas
e cigarros começou a falar das hierarquias temporais.
O calor era tão grande que atravessava o tempo
sem que o assessor do meu epílogo desse por isso.

Não sei quando regressou ao seu planeta fatal.
Mas o homem já tinha uma certa idade.
Estava prestes a pedir a reforma, segundo me contou,
e naquela tarde, depois de tantas cervejas, poemas e cigarros
é natural que o meu epílogo lhe tenha dado umas férias pagas
na demissão.