.........The troubles came I saved what I could save .....a thread of light a particle a wave L.Cohen
recupero um poema e deito-me sobre ele como se falasse e tivesse mãos, dedos, cabelos longos a ideia antiga –
um poema de mulher a mulher de olhos ternos, eternos -
em Abril corriam os rios pelos sinais das nuvens a janela estava fechada e os vidros tracejados de gotas; escrevi-o como se cada palavra fosse um pedaço de roupa a cair, a desnudar o corpo, o teu, o meu, ao mesmo tempo e à distância:
- serás sempre, disse-o. não chovia -
reli-o na última hora de um dia. Janeiro, não estava frio - caiu-me no colo como Freud, o gato branco de olho azul, não na cor de safira mas mais claro encolhido na curva quieta da cauda e ronronando como um motor de barco abrindo as águas e olhando o rio - caiu-me no colo como se fosse uma canção de gôndola um sole mio num canal de Veneza; um remo longo uma camisola de algodão, às riscas - caiu-me no colo e pronto, o inevitável morno rodopio de um crepúsculo laranja macio e persistente que pode ser miragem, pode ser desvario pode ser tudo porque sentido -
é curioso observar a ladeira do tempo o escorregar nas folhas dos versos como se de um Outono e o ultrapassar dos frios polares conservando o fluir do pêndulo –
batem intensamente os batimentos de fogo e mergulho no acaso do poema a ideia antiga para sentir o presente e o futuro