quarta-feira, 1 de abril de 2009

Confissão post-morten

Nasci, cresci um pouco à margem,
ou à míngua das benesses, ou do carinho,
subi tortuosos caminhos,
e desci escorregadias ladeiras;

vivi com sofreguidão a vida
e paixões as mais díspares e diversas,
e algumas tão tamanhas
que acreditei eternas;
mas perguntei-me por vezes:
- se fugazes,
porquê grandiosas e tamanhas?

Então, alheava-me da paixão,
por tudo e por nada vivia o desassossego,
e tantas vezes vivia a Vida
tão ferido de exclusão
que confesso não me entendia!...

Então, buscava a doce ternura
que quase sempre encontrava
lá longe, arredada , tão longínqua de mim,
e pegáva-a , derramando-a nos olhos
de quem me olhasse nos meus,
até me chegar a fadiga ou a exaustão,
que me subtraía a dôr
e me fazia proliferar a ilusão,
crivando-me a alma de fantasias,
e trespassando-me de luz o coração!...

Tentei estar na fila da frente,
após cumprir os meus sessenta,
esgrimindo-me contra o ódio,
a falsidade e a maledicência,
que tanta gente afugenta.

Corri atrás da liberdade,
que jamais pude atingir;

quiz ter Vida apaziguadora
de um mar revolto de emoções,
trinchei o ciúme e a cobardia
até sofrer grave mutação;

Transformei-me em alucinado ser
ao lutar pela verdade indiscutível,
mas desisti, bati no fundo,
situação gélida, inenarrável,
para mim contra-habitual, contranatura!

Preferiria ter-me afugado
numa lagoa de mel e bondade ,
ou ter-me explodido
num frondoso bosque de amôr,
equidade e de temperança!...


(António Luíz , 31-Março-2009)