sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A luta das letras...ou o leito das letras...ou as letras que deito...ou o luto que dito


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Sobre a minha incapacidade de escrever mais assiduamente neste blog

Há letras que permanecem no seu pérfido silêncio.
Entre folhas e impressões e sob a fluorescência da noite,
há um exército de letras que me olham em desafio.
Nos olhos, a lente faz contacto imediato com este absurdo
de alfabética afronta.
Como se atrevem?
Escrevo-as nas curvas da minha mão que rebola tonta.
Segue-se uma valsa de tinta arrastada que desenha os passos
no papel.
Mas logo ali há letras que deixam de ser minhas e me acusam
de falsa existência. Ou de falta existente.
Sou julgada de imediato perante a incapacidade de escrever.
Condenada à eterna revolta das letras que me escorrem sem propósito.

o cálice onde molharam as cerejas


René Magritte "Os amantes" 1928

ele
subiu uma calçada de escadas escorregadias.
devia trazer outros adereços. não os sapatos de sola
que incha e embola. as botas grossas de camurça.
insistiu rodeado de cuidados, lento na sequência
de vários níveis na subida
que levava ao morro: o ponto de encontro.

ela
subiu as escadas em corrida. atrasada.
as sapatilhas ajudavam. um, dois, uma cantiga.
um desviar do tempo até chegar mais acima
ao morro: o ponto de encontro.


um corrimão esteve sempre imóvel.
aguardou. a ele, a ela, e uma vista sobre o Tejo.

os dois
límpidos sentaram-se num banco de pedra
quando ela chegou.
molharam cerejas num cálice de água. vinha com sede.
estava cansada. mas no rosto tinha um ar de tangerina
um perfume brando e dentes brancos de chiclete
no morro: o ponto de encontro -