sexta-feira, 26 de novembro de 2010

a morte do homem

o corpo foi encontrado pouco depois do nascer do sol. mal coberto pela folhagem, costas no chão, braços estendidos ao longo do tronco, mãos voltadas para cima em abandono. não havia no rosto sinais de sofrimento e os olhos estavam fechados. o exame preliminar apontava para um suicídio por desistência mas alguém deu conta que faltava um sapato. o mesmo alguém que, passados minutos, fez rodar o cadáver e encontrou, junto à nuca da vítima, o microscópico orifício por onde lhe haviam retirado a humanidade.

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r.
quinze.outubro.doismiledez
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o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias


Di Chirico " A luva vermelha" 1958

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas árvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

José Luís Peixoto