terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um poema de que gosto

Um dos primeiros livros que li há muitos anos atrás numa
mesa partilhada da Biblioteca Municipal do Porto,
chamava-se "A secreta viagem" de David Mourão Ferreira.
Guardo na memória essas descobertas e alguma propensão
para nem tudo desvendar, dar lugar ao segredo.
Em homenagem a esse lugar, que pode ser a cadeira e
a mesa larga onde me sentei para descobrir o encanto da
poesia, deixo-vos um poema deste autor.

A escada sem corrimão

È uma escada em caracol
e que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
mas nunca passa do chão.

Os degraus, quantos mais altos,
mais estragados estão.
Nem sustos nem sobressaltos
servem sequer de lição.

Quem tem medo não a sobe.
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
o lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Correm-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
a escada sem corrimão.

O berço

Enterneci-me com o poema da Sara, o poema
de mãe e filha, o poema de filha e mãe.
Lembrei-me de misturar estas sensações
com os lugares especiais em que alguns de nós
se descobrem, revelando sentimentos, emoções
e ao mesmo tempo resguardando-se numa
certa névoa de mistério.
Este poema coloca dois lugares especiais
de uma outra forma, os lugares dentro das
pessoas. Por isso fala de forma simples e
singela, do berço que embala
e do colo de mãe!



O berço

O berço é de pau-santo;
uma perna mais pequena.
Treme o bébé de surpresa
no jeito que lhe dá
transforma em brincadeira
num baloiço o problema!

Vai e vem na nossa alma
nos precalços da vida
um sentir de mais além;
quando se era feliz
nos braços da nossa mãe!

o sucumbir de um isolado centro.

I
Um nome no muro
como fugir se regressa intemporal?
Esconjuro tatuado no fogo
conspira contra o afastamento do drama
Sensorial.

A terra treme - o homem teme,
a falha lendária rediviva
lento manto de arruinadas marcas –
fendas mal remendadas,
lamento de vegetação rasteira

costurado por material inflamável.

Soterrado o muro
escava minúsculos veludos
com luvas de mercúrio
ao encontro de vestígios
de um nome puro.

II
"O fundamental é enterrar os mortos e cuidar dos vivos."
A comunidade internacional providencia meios, e cães
feios treinados para encontrar cadáveres. Multiplicam-se
as declarações de solidariedade pelo mundo. Abrem-se
contas nos bancos de areia. Chegam
à alfândega contentores de ajuda humanitária
provenientes das nações dadoras de castelos e água potável.

A vida continua…
contam-se votos para a melhor foto do terramoto.
Vaticina-se num balanço provisório o número de mortos da terrível tragédia.

Que sorte o dístico salvar-se no tubo de ventilação
do ar condicionado do autopulman acidentado.

O corpo do nome infectado por excesso de pó real
contraía o ar afecto aos pulmões,
aquecia memórias anónimas auto-reguladas e

sobrepostas ao epicentro do sismo actual,
esperava o resgate das equipas de salvamento
especialmente recrutadas para o efeito.

III

Soterrada a inscrição do amor
melhor seja gritar o nome dentro do nome
a derradeira raiz soletra a despedida ao mundo
pequena réplica de última pétada chama-te
ao recolher-se no lodo das ruínas
do escaparate vandalizado.

Antes do apagamento debaixo dos escombros
acena o prolongamento de pesares circunstanciais
no gaguejar trémulo de magnética finitude
de um tartamudeado nome que assuste:
Ma… Ma… Maria Madalena.
A Maria que arrebenta na boca dos mares
A Madalena - memória magna de Proust.

Louvado sejas - nome possível -
levas no colo o mundo sem chão,
pelo menos em ti
não há arrependimentos

nem má loucura.

Ma… Ma… Maria Madalena.

Canto (do lugar especial)

Tenho um canto que me acolhe,
lá na praia do Molhe.

Atrás de um milhão de anos
de uma rocha gladiadora,
uma cova encantada enrola-me,
o mar alisa-me o passado,
o sol aquece-me os pés
e a Terra lambe-me as feridas.

O canto, canta baixinho.

De um jeito caramel

Mãos de medusa em círculos de dedos
casulos de seda nos caraculos cinza
do meu peito;
filigrana fina de fios de chuva
na noite acesa das costuras
rendilhado de luas!

Translúcida de afectos flutuas
de seios plenos
oscilando em quedas de vertigem
trocando fluídos, tontos vapores
firmes desejos, puros deleites!

Brisa...
aragem leve no ondulado das cortinas
o rosto claro, esmeralda nas pupilas
dança de searas, húmido aroma de fenos!

Sou...se...sou...irreal...sela de prazeres
conduzido...ao décimo, centésimo, milésimo
do último segundo...
espaço luz!...os sinos!...a melodia!...
os violinos!...o Ah!final...
quando se cerram lábios
se abrem diques
se invadem margens!

Bom!...bom!...bombom!...teu!...minha!...

Abraça-me de um jeito caramel
espalha nos meus a compota doce dos teus
batons de morango...olhos de faróis
no brilho máximo...em cima...descaindo
o triãngulo rectângulo dos narizes...
felizes...suaves deslizes...quando
os gestos se tornam amenos
se escutam os hinos!

Diminuto, na grinalda de perfumes
dos teus braços, quando
se desmancha o lenço linho das cores
soltas os cabelos...as borboletas...
às dezenas!

No contorno exacto do teu corpo, no encosto
dos meus nas costas dos teus joelhos
desfolhando versos na despedida dos sussurros
sendo eles mais...mais...mais...
e depois menos...menos...menos...
quando
de mãos trocadas nos mesmos dedos
cede a noite exausta dos desejos
à lonjura dos segredos,
emergindo sonhos
e a cúpula de silêncio
dos amantes... sem nome!



Não resisti a deixar-me envolver na atmosfera
insinuante do amor, do erotismo dos corpos, e
invadir os horizontes que Shakespeare nos
deixou há 400 anos.
Também não resisti a abusar um poucochinho de
umas reticências, espero que me perdoem os colegas,
mas o que é que querem era um poema de suspiros e
mais suspiros e se calhar agora o que sabia mesmo
bem era um suspiro dos outros, dos doces, que a hora
já vai adiantada!
Até amanhã!