sexta-feira, 6 de abril de 2012

a tinta no humano


Salvador Dali


há um forte frio na noite repentina
que não apaga chamas nem espalha cinzas.
um pequeno intervalo
como um peppermint num dia de verão
a envolver o calor vermelho, as brasas laranja
insucedido perante a permanência das rosas
a certeza de uma bússola que aponta o norte
que orienta os passos no limite –

não desistas perante as lanças do acaso
as vozes do latifúndio, o mundo de Descartes
que não tremam nem as pernas nem os braços
que não tremam nunca
que não trema no teu regaço o milagre
que não trema a pálpebra
que não trema nenhum dos teus lábios
que não haja lágrimas –


acredita nas estrelas como manto
acredita nessa lua dividida
acredita na substância do sorriso
esquece as fisgas dirigidas, a insubstituível razão
não imagines a profundidade dos abismos –

nem sempre se compreendem as palavras
as palavras são um espelho deformado dos sentidos
não reflectem a seda dos dias, a aura dos veludos
por cada uma que é transparente e parece dizer tudo
há dúzias que afirmam de forma mais cristalina
e há algumas que guardamos, escondidas –

ainda não é domingo e é tão complexa a tinta no humano
até onde nos leva? um espaço aberto, acredito –

a tinta no humano
e quantas vezes a imagino na forma antiga;
o almofariz, a minúcia dos pós, a mistura, a essência que fluidifica –

a tinta no humano
uma tinta que se espalha num quadro, num quarto
que acrescenta a cor, a linha, a forma, a surpresa na subcamada
uma cobertura de óleo que altera e modifica
uma nova aurora, um céu mais claro
a surpresa na cortina –