segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Nirintimba pintava - o pobre louco




Nirintimba perdia-se no clima azul-
a parede, uma de quatro, que sempre pintava.
De pupilas dilatadas reescrevia uma história-
minuciosas figuras, traços de paisagens.
Visitado de espírito na noite, acordava
premente de imagens que saíam de dentro
em sonhos de desenhos, linhas, sequências.
O seu mundo que colocava estático
de tigres, leões, elefantes
circunscritas serpentes em ramos altos
hienas primitivas de terapias futuras
rinocerontes vesgos iludidos nas distâncias
leões despenteados em rugidos de navios
girafas de orelha ao lado, ruminantes, calmas;
o seu mundo, ao centro, de uma selva africana.
A cor de um sol quente no país de Nirintimba
povoava um lugar sem ser o nosso e admirava
no sonho das suas diferenças, as pequenas
as pequenas diferenças que desde a manhã
na única das quatro Nirintimba pintava.

Diziam-no louco, o pobre louco, artista
que pena, louco.

Nirintimba só perdia a luz e sentia a sombra
quando algum pincel em teimosia de cerdas
esborratava a precisão de pés descalços
a ingénua infância. persistente nos erros
(quem os diria) perdia-se obsessivo.
E terminava todos os dias, todos os dias
ao fim do dia, cansado e sentado
na cadeira suja, de palha esfiapada.

De madrugada aquele outro pintor deslumbrado
chegava de máquina curiosa, película impressionada;
recolhia de objectiva a parede pintada, a vida breve
de um mural, os cimentos animados de um quadro.
Em todos os cantos, em todos os lados, um ritual
aos círculos no quarto, antes de Nirintimba acordar.

Um sonho louco, uma nova atmosfera, o clima azul
a selva que sabia ao primeiro raio de sol
seria destruída, aniquilada, para que Nirintimba
o homem louco, louco que sonhava, cobrisse
de uma nova camada. pois já não seria esse
o seu sonho na madrugada.

Diziam-no louco. o pobre louco. o artista
que apagava o indício, a mais ínfima memória
e ele sorria, revestia o dia, a bata
recomeçava -

Até quando?

domingo, 29 de novembro de 2009

Saudade



Edgar Degas "Retrato de M. Duranty" 1879

Saudade - O que será... não sei... procurei sabê-lo
em dicionários antigos e poeirentos
e noutros livros onde não achei o sentido
desta doce palavra de perfis ambíguos.

Dizem que azuis são as montanhas como ela,
que nela se obscurecem os amores longínquos,
e um bom e nobre amigo meu (e das estrelas)
a nomeia num tremor de cabelos e mãos.

Hoje em Eça de Queiroz sem cuidar a descubro,
seu segredo se evade, sua doçura me obceca
como uma mariposa de estranho e fino corpo
sempre longe - tão longe! - de minhas redes tranquilas.

Saudade... Oiça, vizinho, sabe o significado
desta palavra branca que se evade como um peixe?
Não... e me treme na boca seu tremor delicado...
Saudade...

Pablo Neruda, in "Crepusculário"
Tradução de Rui Lage

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

o clip de prata


Kasimir Malevich "Pressentimento complexo: meia figura numa camisola amarela" 1932

Gostava de te mostrar aquela pintura
feita de colagens, tecidos e mais
reflecte no fundo de aguarela
aquele mar que chega à praia
transparente, perdendo espessura
deixando os fios de alga, as espumas
brancas e breves, se puras.
Sentado no capacete sem cabeça
inscrevo a marca oval
como desafio do subir das ondas
e em cada movimento de água e sal
as cores permeáveis no pincel
rodeando as colagens, os tecidos
e um clip de prata.
era sim aquela praia deserta
de muitas dunas e mãos despertas:
"não confortável"- disseste-"mas que importa?
se são macios os olhares e na pele
a cadência dos gestos, a descoberta
depois de ausências dos heróis de silêncios
sobreviventes de horas mortas"-disseste e mais
que me ocorre, que sabemos, que tememos
quando caiu a corda surreal, imagética
magnética de dois hinos, o coro de vozes
lá fora e lá fora nada e mais
quando de novo o mar sobe e cede o areal
um pouco de granulometria seca e suja
um pó mate que sobe enquanto ergo o capacete
sem cabeça.
Esmoreço. já não meço aquela onda
que inunda os pés, capilar e húmida
invade a parte mais clara do indigo
reescreve uma auréola, granulada, branca
uma auréola de saudade na escura ganga.
quase terminada- a pintura - tamanho A4
rodeada de claridade, de linhas de luz
e a distância, feita de ondas, de sombras.
não te disse do lenço, o lenço de renda
sim esse, de linho. estava perdido
encontrei-o há três dias, no casaco de lã
de ritmos e agulhas nas noites mornas
e motivos de vasos gregos ou de Creta;
um pequeno triângulo no bolso do lado
em três anos de viagem pendurado no cabide
de um único guarda-vestidos onde caem calças
escorregadias, desamparadas, teimosas
nos sinais, nas dobras. nem sequer ligo.
O lenço. o adormecido amuleto sem sentido.
três anos passados. "E que interessa?"
- dirias- " escreves, descreves, o que foi dito.
"poemisas" aéreo os lugares agora interditos.
nem sequer me sabes. um jogo de ironias."
dirias.
É verdade. tudo. mas mesmo assim
gostava de te mostrar a pintura
as colagens de tecido, o clip de prata
as cores de água, de mar salgado e mais
o lenço de renda, de linho e mais
a proximidade em crescendo que invade
o tamanho das ondas nos meus olhos
e saber -

Será que? -
O futuro? -

a carta rodeada de nomes


René Magritte "A corda sensível" 1960

Pensei em guardá-los dentro de uma carta
- os pensamentos, os versos
quando caem na primeira página
um nascer de águas nos ritmos brancos de flúor
seguidos de gavetas indecisas na cor de camisas
nas calças justas ou de vincos; não se usam já
bocas de sino presas nos joelhos largas no fundo.
guardá-los na primeira prateleira
de olhar distante enquanto aqueço o leite
ou meço a consistência da manteiga
no pão fresco ainda estaladiço.
alguém me fala do tempo: “parou a chuva
ficou o vento, os primeiros frios”
não compreendo no receio de perdê-los
- os versos, os pensamentos.
assim escondidos em pequenos gestos
são segredos e sei-os de serem ternos
de estar comigo como folhas de fetos
ainda verdes, a crescerem e serem filhos.
plenos de sentimento são companhia
bater de dedos no tampo da mesa
contar degraus um a um de granitos
saber quantos os pássaros na longitude dos postes
no correr dos fios ou estudar as nuvens
as suas formas e feitios, vagas de espumas
mousse de cortinas no vagar da velocidade
esticar de rede que descobre o lugar do céu
imaginário, etéreo.

o medo de os perder – os versos, os pensamentos
não os tornar a ver, não mais conversar com eles
tirá-los da testa, alisar-lhe os cabelos.
por isso pensei que é melhor guardá-los numa carta
e nessa carta, para que cheguem a casa, pôr um selo
e rodeá-lo de muitos nomes, muita gente dentro deles.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Melodias de um desconhecido



Não são muitas as minhas melodias.
surpreendo-me quando chegam
perdidas como ilhas
num mar de faróis
de outras, tantas, tantas melodias.

pérolas, pérolas minhas.
são como células distraídas
que descem e sobem o meu corpo
sem a noção exacta de uma força
íntima, sísmica, que ensina acima
as estrelas, a lua de melancolias.
as minhas melodias sempre são
uma âncora em qualquer sítio
no recanto de uma rua, na livraria
no vidro entreaberto de uma limousine.

surprendem-me as minhas melodias.
talvez as achem ridículas.
mas mesmo assim sinto-as
sinto-as tanto, tanto tanto
que, se tivessem vida
da mesma forma que as canto
cuidava delas se tivessem frio.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Os pássaros de Londres


William Turner "Londres" 1809

Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, in "Poemas de Londres"

terça-feira, 24 de novembro de 2009

"Há quanto tempo não nos víamos"


Georgia O'Keefe "Abstracção Rosa branca" 1927


Enquanto adormecias eu lia o livro
livro grande, novecentas páginas.
Apreciava o descer do teu sorriso
o oscilar de pálpebras, os olhos verdes
quase deitados. Eram três horas.

As teclas de um piano nos dedos de Martha
um adágio, de Schumann.
Ainda não dormias. Em que pensavas?
Na música? Na loucura do livro?
O livro grande?

Lia incerto algumas frases:
“espátulas, caviares, arenques, vodkas aromáticos”
as estepes, os obstáculos
as cartas de Praga antes de Kafka.

Já dormias. Telefonou o Alexandre.
Eu lia o livro, o livro grande
Novecentas páginas.
Quatrocentas e cinquenta três
Connstantino beijava a mão de Kiti
Pela terceira vez:
“Há quanto tempo não nos víamos?”

Instantaneamente : “Porto 2001”
Claramente : 1º Balcão
Misha Maisky de túnica branca
“Como se fosse uma espécie de santo”
A música. Schumann. O romântico.

Pousei o livro, o livro grande.
Soprei a chávena.
Uma pequena nuvem quente de vapor
o sabor acre de ervas de Londres;
a insistente cor vermelha
de um autocarro de dois andares
no mesmo sítio onde comprámos a pena
de caligrafia, e um papiro. Lembras-te?
“Há quanto tempo não nos víamos?”
Mas tu dormias
e eu tinha que ler o livro,
o livro grande:
novecentas páginas
as notas do autor
o posfácio
traduzir a epígrafe -

sábado, 21 de novembro de 2009

Um choro de criança ou o caso da casa que queria ser reconstruída




"Bem sabes que estou morta
vai para três anos
quando cairam as traves
os telhados nos tectos
os tectos aos bocados no soalho."

Abriram-se as portas da casa
de noites negras e redondas.
os redemoimhos entraram.
encontraram os lugares do vento
ficaram, qual alicerce fúnebre.

As cortinas habitam, inquilinas
no ar cinzento, esventrado, dentro,
fora conversam com as gárgulas
guiam os dias de segredos pardos.

Na velha cozinha, na mesa de chapa,
jaz deitada a chaminé,
a chaminé de um velho samovar,
escuro, no pouco brilho do esmalte,
soçobrado.

Na névoa fina a casa chora
chora como choram as crianças
convulsa de soluços, sem saída
agitada, sem futuro.

Por ali, quando passo, cissia:

"Viajante, caminheiro, amigo
se passares por mim não olhes,
não provoques os destroços brancos,
as caliças nas escadas.
como bem sabes estou morta
vai para três anos."

Há palavras que nos beijam


Sonia Delaunay "Projecto para quatro xailes"


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperançar louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Haiku da musa

Haiku caraças
A caneta não escreve


Ana Janeiro

Haiku

Línguas de comer cruas
Como hóstias
Ou ostras

Ana Janeiro

Disinspiração constipação

Musa inspira-me
Está ali a máscara de oxigénio
A droga ao lado
Injecta-me com a caneta bico de esfera oval
A tinta azul, verde e o tinto

Já me sinto
Melhor

Querida musa
Perdoa as tosses
Agradeço os cuidados

Prepara agora o papel e diz aos poetas
desesperados no passeio do vale:

Sucumbiu a larva na taça de arroz em tempo de
comer a língua para matar a fome e
uma dor de estômago a pico de cacto na
barriga descalça subiu
cozida a vapor

Digo aos poetas no passeio de pedra sentados ou aos que se passeiam?

Sei lá Musa, na verdade estou hoje tão desinspirado como constipado.
Que se plagiem uns aos outros, como eu os plagiei!

Ana Janeiro

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

(retirado da internet)

Um pedido de desculpa pela ausência dos trabalhos de casa e pela minha ausência no próximo sábado.

Por ‘estes’ dias, tenho entre mãos um poema que não pára de crescer e estou a aprender, a aprendê-lo em conjunção com os outros meus exercícios poéticos. E parece que leva uma vida inteira…

O meu poema é ruivo, de olhos urgentes e persistentes. Ora sim, ora não, arrasta-se na minha perna esquerda para não perder de vista o(s) meu(s) destino(s). Abre as gavetas todas da cozinha e desarruma o(s) meu(s) tempo(s). Come de rosto encostado à minha mão para reduzir as distâncias da pele. Desliga o computador para me desligar do ‘para além dele’. Diz ‘tô tiste’ e pisca os olhos com a cabeça solene e inclinada, porque brincar é o verbo. Durante a noite, ouvem-se os passos apressados pelo corredor, à procura do ventre. Shiuuu… O meu poema é ruivo, é tão ruivo que me enche o colo todo.

ana lúcia figueiredo

Um rosto de Anna Karenina




Sobre ti o dia de Novembro
uma névoa, um vapor de linhas;
lugar onde os relógios crescem
de lado, nos azulejos
ponteiros grandes
inevitável rodar do tempo.

Como em Anna Karenina
já não se usam peles de vison
chapéus de ornamentos, penas
de pavão, nem as danças
as valsas de salão.
Sobre ti a boina preta e o baton
a cor vermelha, a tentação.

Sobre ti a dúvida e o aroma
as pétalas, o cálice doce, ameno
um sistema largo de afectos.
de um vidro embaciado
a paisagem jaz líquida
movediça, de árvores despidas
deixando cair os vestidos
na nudez segura.
Sobre ti a dúvida.

Sobre ti agora o imprevisto
a noite de berlindes e sininhos
ritos de paus de chuva, energias
um re(moinho) por de cima, em cima
uma carícia que transmite
a distância dos lagos
um cisne de águas calmas
Sobre ti.

Sobre ti o aroma
as pétalas,o cálice doce, ameno
o apagar do candeeiro
a luz presente de um poema -

Adormece, quero-te
boa noite -

Haikai

e-lia@lusa.pt

Ilíada e líamos
nos Lusíadas
as lusas idas


Leonor

São as fontes Leonor
os verdes frutos nos cântaros
- nas rodilhas o equilíbrio

José Ferreira

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

solta-se a fera

solta-se a fera
na arena da vida
o círculo do circo
começa ao nascer

a pele derrete
perde identidade
ao ser violada
com o ferro em fogo
estigma como amante
no escuro de cada sol posto

brilham os fios de prata
automatizam os movimentos
rebanhos humanos
sem pensar
fantoches manipulados
sem querer

tão pouco de ti
quase nada de ti
debaixo de comando
sempre
controlado por dentro
em hierarquias patentes

fiel depósito
de corvos negros em ferida
de pesadelos
de medos

impulso dado pelo estribo
entram na jaula
e brilham os fios de ouro
esvoaçam querendo fugir

mas tu fechaste-os
dentro de ti
vestindo-os como uma pele

nos teus olhos fundos
já não há alma
globos brancos sem menina

és besta encurralada
nas arestas da existência

és instinto
sobrevivência

o círculo fecha-se
a fera solta-se
na arena da morte

- de pulso

baloiço um pouco acima da terra
ao gozo do voo do pêndulo,
nos segundos só inverto
ou troco de vestido
entre (tanto) balanço
e dou mais lanço

Joana Espain

Trago em mim

[«Um psiquiatra perturbado, um muçulmano devoto»;
«Eu não sou eu nem sou o outro»]


Trago em mim
as almas do passado
E nem sequer as lembro

surgem-me às vezes
nítidas como palavras
espessas como sangue
ganham vulto no discurso
a que desconheço o berço
sussuram-me às vezes
o poema como água pura.

Obedeço a medo do que sou –
Como se fosse outros
ouço-me nas correntes
que transporto.

E sonho o reencontro.

2009.11.18
José Almeida da Silva

(Des)inspiração

Andei a manhã toda pela cidade.
Entrei e saí vezes sem conta
De casas de comércio adiado –
Quis desistir mas já não tenho idade –
A procurar metáforas e hipérboles
Imagens e antíteses, oxímoros e quiasmos:
– Não temos, era a resposta pronta,
E eu pensava, mas aonde se meteram
Agora todas essas figuronas tontas?
Não creio que tenham ido para o Brasil,
A viagem é cara, e já não há pilim.

Nas casas de comércio ofereciam-me
– Era só o que tinham em stock – vírgulas,
Pontos, telas e agulhas de croché,
Os fios tinham esgotado e não tinham
Palavras disponíveis no mercado
E não sabiam aonde ir encomendá-las –
Era denso o nevoeiro. Sim, o mesmo nevoeiro
Com que a noite inteira me tinha debatido
Quando quis escrever e o travesseiro
Me usurpou as poucas ideias que ainda tinha,
Trouxera-as da guerra em 73 da longínqua Cabinda.

Andei a manhã toda pela cidade. E quase ao meio-dia
Dei de caras com as palavras que então procurava:
Estonteadas e em desequilíbrio precipitaram-se
No abismo. E eu sem cordas para poder içá-las
E nem um só fio para as entrelaçar – um mar opaco
Para desvendar, e eu sem Barco, sem Remos, sem Luar.
2009.11.15


Haikai

Denso o nevoeiro
O longe sem horizonte
– Sem boieiro a fonte.

José Almeida da Silva

(des)inspiraç

(des)inspiração de chuva.

E sento-me em divagações lacónicas
prostrações canónicas
e ausências de ti.
Inspiro -
e sorrio se transpiro -
se por acaso de luas
ou sintaxes do destino
se abriram outras gavetas
e em tecido
(ou meias pretas)
me surgi.
Sonhei-te algures por aí.

Amanheci.
E em sombras vãs,
horas despidas,
perdi-te as linhas de insónias
em estruturas mal cosidas.
Expiro -
e as palavras em retiro.
Se acaso não for de luas
então de uvas ou de amoras
que eu espero em curtas demoras
e cruéis morfologias.
E partias
sem conceitos ou estruturas
em versos de chuvas amenas
e tardes de luz.
Por fim deserta.

E anoiteceu na casa do poeta.

Inês Beires

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Olá a todos. Só para que saibam que eu, Clara Oliveira, tenho o grande prazer de fazer parte dos Aprendizes de Poetas:

Vozes capazes de rasgar sorrisos
Vozes repletas de promessas efémeras
Vozes alquímicas, transformam o que tocam em quimeras irreais
Vozes de sonho, transportam-nos em bolas de sabão, leves, suaves, cristalinas

o hábito do silêncio


William Turner "Chegada a Veneza" 1844

ainda há o hábito do silêncio
que habita o recreio da mente
de batas brancas e tintas azuis;
cenas de filosofia e giz
num quadro negro
antepassado
de uma mesma cidade
onde nasci
sem partida anunciada.

sábado, 14 de novembro de 2009

(des)inspirar por fora

lagos escuros
luz de gotas em fuga
nuvens à chuva

(des)inspirar por dentro

bocados vermelhos de ser
pequenas dobras livres
saltos esgrimistas lá dentro
à escuta

será que entrei
- devo ter entrado-
tudo à mesma marcação
eu o espaço
o tempo da palavra
a entropia

não trouxe nada
nada me enviesou
nem pássaros ou navios
só o mundo
em nó vermelho de mim

lembro água
ou areia ainda liquida
a desintegrá-la por precisar
e linhas em fuga de mim
que partem

como chegam olhos baixos
de rostos que habitava
e comboios
de encontros subitamente lúcidos
que não souberam parar,
e pele, sei que há pele
- ainda devo ter pele-
sinto-lhe o grito a transpirar

não trouxe nada,
encosto-me a ver passar linhas
em dolorosa minúcia de ti,
agarro a linha do tempo
e enrolo-a ao pescoço
na esperança que te repita em si

mas o fluxo desata a vibrar
a meada doba irritada
em vez de linhas, ondas,
a velocidade aumenta, deriva
o espaço das palavras
e já nada chega ou se parte
só elas a rir de mim

perdi os olhos,
a pele vermelha,
o comboio
e a precisão da areia

Não sei sair
à roda o tempo
fechou-me cá dentro
a um canto neste poema

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Wave



Vou contar-te das estrelas
Belas e únicas nos espaços do céu.
Esquecer o vazio da calçada
Tão sólida, linear, indiferente.
Saudade da casa das rosas
Essa nuvem de aroma
Que juntava à imperfeição do rosto,
O meu rosto, à maresia, o mar sereno
Onde te via subir, descer, aparecer
De algas presas
Como tatuagens.
O olhar perfeito.

Por isso vou contar-te das estrelas
No ar de dez mil metros
De corpo leve, tão leve…
Ao longe os pormenores
De cada árvore, de cada ave
De cada braço de um rio
A clareira de um prado
Os jardins intensos, uma cabana
O paraíso, enquanto desço.

Vou contar-te das estrelas
Esquecer os anos de sombras
E de silêncios
Sentado numa voz quente
Que soa de sonhos
E se sonho, se sonho
Não quero que pare
Que tropece ou caia
Antes que embale
E eu prometo que só lembro
Das estrelas, enquanto desço.

Vou contar-te dos alpendres
Dos vidros das janelas
Das superfícies transparentes
E também dos verdes bosques
Descobrir nas penumbras claridades
O que escondem os chapéus dos cogumelos
Num entrançado de linhas, protegidas.
Vaguear a luz rectilínea dos arbustos
Em Novembro.

Vou contar-te das cegonhas e dos ninhos
No cimo dos postes, em recorte.
Do borbulejar das nascentes
A fonte próxima, a suavidade
De um mar. E sei que haverá
Uma túnica comprida, branca
Uma asa de cada lado.
E sei que haverá
Em cada um dos nossos passos
Um anjo de dois lugares.

Vou contar-te das estrelas

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Balanço

Passeio o meu olhar
nesta imensidão de água queda
enfeita-se de sombras de luz
que coroam qual rainha
água calma
nela me vejo reflectida
tão diferente.
em mim tempestade sem fim
ventos ciclónicos
águas transbordantes
redemoinhos de pensamentos
atropelos de vontades.
preciso de ti
para essa calma encontrar.
quero a suavidade de movimento
do moliceiro ao crepúsculo
quero a doçura do toque do casco na água
quero balanço de embalar
e embalada nos teus braços dormir
um sono fundo e apaziguado.
encontrar na força do teu abraço
a minha força também
sermos ambos a força que precisamos
para continuar esta nossa viagem juntos.

Clara Oliveira

segundo ensaio sobre a "desinspiração"

deserto de palavras
não as consigo tecer
entrançar umas nas outras
formar imagens de cor

aridez de palavras
mergulho os dedos nestes grãos
escorrem sem dono
por entre as minhas mãos

vazio de palavras
atravessar esta lonjura
por dentro sinto-me rasgar
derrete-me a mente nesta loucura

deserto cheio
de aridez vazio
de palavras

Clara Oliveira

parábola de balas


(retirada da internet)

eram horas e partias

no fundo dos teus olhos o espírito
o desejo louco de abrir asas
mas os envólucros na mente oca
como bolas pendulares de ping-pong
o feitiço de vingança de Saddam
ao soltar os arquétipos de Jung
os desertos complexos de Freud

eram horas e partias

as marquesas, centenas de marquesas
jovens soldados enrolados de tinturas
as alas obscuras das mentes, dementes
de águias, abutres do Egipto, hienas
e as vozes de cantata dos comandos;
queriam fechar as asas, as tuas asas
e sabias os medos, as sentenças
das terras secas, do ouro preto

eram horas e partias

a luz, de um sol gélido de Maomé, a luz
nas asas brancas, a esvoaçar, a esvoaçar
nas tuas, nas deles, inocentes
um mar de milhares de penas
uma parábola de balas a cruzar, a cruzar
a tarde grave de ruídos, gritos e sangue
e a camisa de linho, a mais bonita
tingida, no seu último dia

eram horas e partias


P.S.- Este poema é sobre o caso do Major psiquiatra que assassinou
jovens soldados ao ter conhecimento que estava destacado para o
Iraque. Achei por bem pôr este esclarecimento porque, para aqueles
que não participam no curso de escrita criativa, será agora mais
fácil seguir os vários trabalhos que concerteza vão chegar.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Informações

ola a todos! queria saber qual é o trabalho de casa desta semana! e quando é a proxima reuniao já agora! (estou a rezar para que seja neste sabado so a partir das 5 e 15! ou noutro dia qualquer).
Já estou a reaprender a falar (ou a escrever) e vou esta semana fazer os mil trabalhos de casa em atraso (perdoem-me o exagero, mas mil é como os sinto).
Presumo que seja um haiki, mas queria saber mais detalhes!

Um grande beijinho e saudades,
Maria Inês Beires

Haikai

"O haikai é uma composição poética japonesa
que pretende sugerir um máximo de sensações
através de um mínimo de palavras. Na sua
forma clássica, apresenta apenas 17 sílabas,
organizadas em terceto, com uma métrica de
sete sílabas no segundo verso e de cinco sílabas
no primeiro e terceiro versos"
(Da ficha de trabalho da última sessão)

Ex.

Furu ike ya
Kawazu tobikomu
Mizu no oto

Matsuô Bashô (1644-1694)

Traduções:

Ah!o velho poço!
uma rã salta
som da água.

Armando Martins Janeira (1914-1988)



Quebrando o silêncio
do charco antigo a rã salta
n'água - ressoar fundo.

Jorge de Sena (1919-1978)


Um templo, um tanque musgoso;
Mudez, apenas cortada
Pelo ruído das rãs,
Saltando à água, mais nada...

Wenceslau Moraes (1854-1929)


Ah! o velho lago
...o baque na água.

Paulo Murillo Rocha (publicada em 1970)

Exercício na Sala:

Foi submetido a apreensão o seguinte haikai, famoso, de Ezra Pound (1913)

"The apparition of these faces in the crowd:
Petals, on a wet, black bough"

(este poema é sobre o Metro)


Os meus primeiros haikai

Sombras são faces na cor da pedra
Os braços são ramos no chão.


Crescem faces húmidas na escuridão
Fora cai chuva no chão.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

duas possibilidades

duas possibilidades de alteração ao meu final:


matas o concreto
viverá para sempre
o devaneio


o corpo cessa de pulsar
e de mim...que sobra...

Clara Oliveira

primeiro ensaio sobre a "desinspiração"

"















"

Haikai

nada se escreve
tanto se entende

Clara Oliveira

Nada nem uma metáfora




Inspira, inspira, apenas o gato
Sossegado na corda da cauda
Que alisa o tecido de um e outro lado
da almofada.

Nada nem uma metáfora.

Os dedos aprumados na caneta
De superfície lisa, permanente
Tinta de uma “Parker” 75
Prenda de outros anos;
Despedida do Alexandre
Entrada na Universidade.

Mas nada, a folha em branco.

E agora depois de tanto tempo
Nem que queira, a tinta seca;
Os batimentos de cadência
O ritmo de pontos brancos
Que se iluminam de novo
Na cor preta
E não era assim costume –
Azul a cor
Os dias, a força, o presente sorriso
E um livro irónico e supremo
De um “Conde Sandwich”, aceso
Na invenção do piquenique;
O pão de forma, o ovo fatiado
Queijo, presunto, o tomate de salada.

E nada nem uma única palavra.

A folha em branco picotada
De bico seco e o tormento
De nem uma, uma única
Qualquer ideia. Nada.

De súbito olho o gato
Que estende a pata e solta as garras –
Penso logo, claro - a selva.
E abre a boca, uma língua de víbora
Dentes sinuosos, os olhos vedados
Claro, claro que vejo – as feras.

Agarro os olhos no cimo da mesa
Procuro de novo o tricot da caneta
E eis que alguém chega, abre a porta
Salta o gato, eriça-se a cauda
Cai a almofada, sopra o vento
Esconde-se a folha
E nada, desgraça.

Alguém chama –

Berlim


Lecha Walesa inicia a simbólica queda do muro (retirado da internet)


Erguer numa única palavra
a queda do muro
em cada pedra caída
a boa história - HUMANIDADE.
"I still have a dream"
de sementes largas
sorrisos brancos
um dominó gigante
nas ruas de Berlim.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

H.D. (Os imagistas)


Retirado do site Assirio & Alvim

H.D.

Hilda Doolittle nasceu a 10 de Setembro de 1886, em Bethelehem, na Pensilvânia, onde o seu pai era astrónomo e director do observatório da Universidade.
Hilda é conhecida como a melhor dos poetas imagistas, mas os seus feitos literários ultrapassam em muito os seus primeiros poemas, que se podem associar a esta corrente literária. A sua poesia, ficção e outros escritos foram publicados em ambos os lados do Atlântico, tendo recebido a medalha de Ouro da “American Academy of Arts and Letters”, “Brandeis University Creative Award” e o “Longview Foundation Award”.
Os seus contactos literários incluíam Marianne Moore, William Carlos Williams, May Sinclair, Richard Aldington, Bryher, D.H. Lawrence, T.S. Eliot, Gertrude Stein, entre muitos outros. Foi Ezra Pound, com quem Hilda Doolittle manteve amizade desde a infância, que sugeriu que a escritora assinasse com as iniciais, passando a ser conhecida como H.D.. Morreu no ano de 1961, em Zurique.


Priapus: Keeper-of-Orchards

I SAW the first pear
as it fell--
the honey-seeking, golden-banded,
the yellow swarm
was not more fleet than I,
(spare us from loveliness)
and I fell prostrate
crying:
you have flayed us
with your blossoms,
spare us the beauty
of fruit-trees.

The honey-seeking
paused not,
the air thundered their song,
and I alone was prostrate.

O rough hewn
god of the orchard,
I bring you an offering--
do you, alone unbeautiful,
son of the god,
spare us from loveliness:
The fallen hazel-nuts,
Stripped late of their green sheaths,
The grapes, red-purple,
Their berries
Dripping with wine,
Pomegranates already broken,
And shrunken fig,
And quinces untouched,
I bring thee as offering.



PRÍAPO
Guardador-de-Pomares

Vi a primeira pêra
A cair.
O enxame amarelo, listrado de ouro,
Em busca de mel,
Não foi mais veloz do que eu
(Livra-nos da beleza!)
E caí prostrada,
Chorando.
Tu, que nos flagelaste com as flores,
Livra-nos da beleza
Das árvores de fruto!

As que buscavam o mel
Não pararam.
O ar ressoava com o seu canto
E só eu me prostrava.

Ó deus do pomar,
Talhado em tosco,
Venho trazer-te uma oferenda;
Tu, o que não é belo
(Filho do deus),
Livra-nos da beleza!

As avelãs caídas,
Despidas há pouco do invólucro verde,
Os cachos vermelho-púrpura
De bagos
Gotejando vinho,
Romãs já fendidas,
E figos mirrados,
E marmelos intactos,
Eis a minha oferenda.

Tradução de João Ferreira Duarte "Leituras, poemas do Inglês" , Relógio de Água 1993

sábado, 7 de novembro de 2009

Caminho de casa em dia de chuva


Robert Doisneau "Musician in the rain"



Nos dias de chuva as cidades ficam paradas
os carros oscilam num castelo de lagos
as gotas inclinam em maior número
em trajectos mais longos, de curvas
enquanto caem nas faces, nas montras
nos plásticos.

Nos dias de chuvas esquecem-se os chapéus
encostam-se os muros e aqui e aonde
a protecção das varandas, os rostos de água
sem desenho.

Nos dias de chuva atravessam-se as ruas
de passos largos, quais Nosferatus sem capas
na procura de motivos - os sons, as palavras
os poemas de rio
as estrofes molhadas quando a água cai -


Poema "Haikai" no mesmo motivo:

Se a chuva preta as pessoas cinzentas
uma rede de peixes em linha recta
e os dias sem vento.

Amendoins (ou "about" inspiração (III))


(retirado da net)



Não sou capaz, bem tento que ele venha,
o tal olhar diagonal das coisas,
mas as pessoas surgem-me tão sérias,
tão capazes nos seus discernimentos .

À minha frente agora, por exemplo,
um grupo com cerveja e amendoins.
Se fosse um tempo antes, conseguia
fazer de amendoins um qualquer tema,

descascar um poema devagar
feito de amendoins, cerveja e gente.
Mas tudo me parece tão normal
e os amendoins coisas sensatas

[apanhados do prato vorazmente,
entre gestos nervosos e correntes
conversas baloiçadas]

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

De que forma te mato hoje?
Se não me enojasse o sangue,
já te teria aberto a cabeça em buraco de bala,
uma faca, quem se rala...


A cama o copo
a escova de dentes
dou-te a escova
não tens dentes

Vomitaste-me o veneno
Nem te caiu um cabelo

As bolas de sabão que não vês
eram bocados leves de seres
mas doi-te a gravidade

Nem uma lesão no empurrão
Abro o gás e foges num zás

Caí Caim
fui com as bolas de sabão
bolas que voam sem asas
Mato-me hoje, isso não te posso dar



Trabalho de grupo II
(Ana e Joana)

A oferenda de Caim

Deus Meu todo guloso!
A gula é pecado

Não gostas da salada, já se sabe
Pões de lado o puré e o feijão
E só comes o frade

Estás GORDO, meu Deus!

Um GORDO todo guloso
Não te ensinou teu pai que a gula é pecado?
Santa a tua mãe de te aturar tanto capricho...

Ai, meu Deus...
Não te bastou o bezerro
E queres de Abel as tenras nádegas

limpas
cortadas
apimentadas

Matei-o já! Meu Deus
Aqui tens o meu irmão

Abel marinado
Limão na boca e mal assado

Comaperna
Sugalhosso
Trincalholho
Roipescoço
As nádegas de boca cheia
Menhã, menhã até de manhã

Limpa a boca e coça o papo

E meu Deus, por favor!
Tira ao Chefe o chapéu
Agradece e diz
Adeus
Não tens mais de cozinhar
Parte para Leste
E dá a Buda teus vegetais

Eu te agradeço, meu Deus!

(Ana Janeiro)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

(exercício Goya e Manet)

Uma ausência de quase tudo
Um quase nada que imobiliza
E martiriza
Um estar-e-não-estar que adormece
E entorpece
Um querer fugir que angustia
E silencia
Um grito

ana lúcia figueiredo

É como…

1.

É como…

Cinzas em lume
O ciúme
Um gesto de dança
A vingança
Guardar um segredo
O medo
Ser sem vaidade
A verdade
Uma mancha incolor
A dor
Corte sobre corte
A morte
Inventar uma história
A memória
Olhar em perspectiva
A vida

ana lúcia figueiredo


2.

Corpos de algodão
Vagos
Prostrados por sobre a bruma
Distante
Ofegante desejo de fuga
Por entre a aridez da solidão
No chão
Rochas expectantes
Pela queda dos amantes

ana lúcia figueiredo

Carta ao Imperador Maximiliano

Arquiduque e imposto imperador ,
aceitaste a coroa a contragosto.

Do poder que te impôs Napoleão
não teve inteira consciência,
e nem mesmo os ricos latifundiários.

Subiu-te o império à cabeça: decidiste
ser todo-poderoso, ser discricionário,
e resolveste ser contrário e cruel:
antagonizar e matar foi o teu programa.

Mas Juárez, atento à desgraça em que caíste,
mandou fuzilar-te assim, algemado,
enfatuado no teu fato
e de sombrero aureolado. E é crível,
sem arrependimento.

Os simples assistiram ao espectáculo
talvez do teu poder horrorizados
e, quem sabe?, contentes de te ver
trespassado da pólvora dos fuzis –
um gigante tornado pigmeu, e nada.

Miramón e Mejia, os generais,
sucumbiram contigo de mão dada,
e nenhum deles era o bom ladrão,
nem Cristo estava por ali à mão.

Fala de Caim a Deus


Como magoa a morte da inocência,
como dói na alma o bico faminto dos abutres,
como aterra os meus ouvidos o grito de aflição,
e o teu olhar, Senhor, na luz do céu ofendido;

Tudo, Senhor, porque me desprezaste a mim
e à minha dádiva e encheste de graça o meu irmão
a quem levantei a minha mão pesada de ódio e vingança.

Não é somente minha a culpa que carrego e não nego
o ciúme sagrado que me mancha e o medo de me ver
proscrito e condenado à errância e ao meu pecado –
penosa peregrinação de penitente ao olhar matador
de toda a gente que hei-de encontrar pelo mundo fora.

Não sei se sou capaz de olhar a luz do sol de cada dia
e cavar a terra tão a oriente deste Éden
de onde foi desterrada a alegria.

Senhor, o teu sinal será para mim indelével estigma
que livra e que castiga o meu crime cruel
pois nem a vida errante me redime.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

URGENTE! datas!

Queridos poetas e poetisas, querida ana luísa!

Eu venho pedir infinitas desculpas (acho eu) porque acho que hoje houve sessão! é que escrevi uma imensidão de datas enquanto estavamos a decidir que dia ficava na última sessão, e no meio de tantas acabei por passar a data de hoje (que no entanto ainda não sei se era definitiva ou não, porque não tenho o número de telefone de ninguém e ainda não sei se hoje houve sessão!)
De qualquer maneira, se houve, tenho mesmo muita pena de não ter ido. E a verdade é que acho que ficou agendada uma para este sábado e eu não vou poder ir (alguém que me ajude com isto das datas que eu estou profundamente baralhada!) porque tenho um fim de semana de grupo de crisma e não posso mesmo faltar!
Aproveito para dar os parabéns à nossa querida "mestre" ana luísa! Eu mandei uma mensagem mas pelos vistos metade das que eu mando não estão a ser recebidas! No caso de não ter recebido, aqui ficam os meus parabéns e o meu enorme orgulho por poder ter a oportunidade de ser conduzida por si neste pequeno grande mundo das palavras e da poesia. Muito obrigada por tudo o que me tem ensinado. Aliás, por tudo o que me tÊm ensinado.

E já que estou escrever tanto, aproveito para partilhar o meu momento de aridez desconcertante. É que ultimamente as palavras não me vêm ter comigo. É realmente muito frustrante procurá-las e sentir que me fogem, ou que não fogem porque na realidade nunca chegam a mim. Nestes dias tenho-me sentido um miúdo a reaprender a falar, com as palavras presas na língua e tanta coisa por dizer! Sinto-me uma árvore seca. E tudo o que eu queria eram maças verdes apetitosas!
Ou vermelhas! Onde está a serpente para me tentar as palavras?
Se alguém souber dela por favor digam-lhe que preciso urgentemente de caír em tentação!

Mais uma vez, imensas desculpas se faltei!
Um grande beijinho desinspirado

Maria Inês Beires

sentia o chegar do fim

sentia o chegar do fim

e eu sem medo...
já te esperava
há tantas auroras atrás

e eu sem medo...
sinto o teu olhar sangrento
de vermelho tinto
inundar o meu de nada

e eu sem medo...
anjo da morte
orla de sombra
negra como carvão
envolves-me no teu aperto

e eu sem medo...
pregam-se ao palco
os meus pés
pesado como chumbo
o meu corpo
leve com brisa morna
de final de tarde
o meu coração
alada
desprende-se de mim
a alma

e eu...
sem medo...
entrego-me

matas o homem
mas não matas nunca
o IDEAL

Clara Oliveira

e naquele dia

e naquele dia
de manto negro se veste
sol flamejante
antes vermelho
como sangue fresco
cobre-se de denso nevoeiro
pardo escondido
baço pasmado
ponta de vento
se não sente
barulho ao longe
se não ouve
hastes verdes
olham o chão
indolentes
arado fértil
em crosta dura e pó
escorre a vida
gota a gota
rega o leito ainda fresco
e das entranhas da terra
um tumultuoso lamento:
- Meu Deus, por que me abandonaste

Clara Oliveira

Desculpa. Atormenta-me os fios de prata


Magritte "O século das luzes"



Desculpa. Atormenta-me os fios de prata
O horizonte azul de um céu pálido.
No estado febril abrem-se alicerces
Crescem tábuas como árvores – a casa;
Gosto da guilhotina nas janelas
A forma metálica de uma roda
Na entrada do alpendre.
Em frente o poço e a cegonha;
De pernas altas e bico de gastronomia
Na dificuldade de sempre elevar
O grão de arroz, método do oriente.
O bico que insiste numa melodia
De um desenho animado, ritmado
De “Woody Woodpecker Show”.
Um bico de ferro, o gancho enrolado
Que recolhe a água límpida
Fruto de uma terra de pedras.

O brilho, o brilho dos fios de prata
Um filtro de bosque, a clorofila
Respira e uma bota de couro preto
Alta, de anel castanho, oscila
Um ritmo, um ritmo, um ritmo
Como se no alpendre os braços
À volta de uma crina cinza
Lusitana de olhos grandes - o campo.
O grande campo cultivado, às tiras
O corte dos fios de prata e uma onda
Que nasce do ventre mãe, sobe, sobe
Uma mão gigante de dedos brancos
Na moldura de matiz verde e azul
Na leveza de ser ou não ser espuma –

A onda passa e deixa o relvado, o poço
Um outro quadro de tiras e brilhos.
Duas as magnólias de cores diferentes
Uma no cor do poente das aldeias – rosa
E a branca de olhar tímido que guarda
A delicadeza do gesto das flores;
As pétalas, pétalas de seda que me lembram
O livro de Baricco e as lagoas de neblina
No cimo do cimo das montanhas.

Desculpa . Atormenta-me o reflexo
De um ar volátil, suave e breve.
Não quero falar de Goya e Manet
Pintar a cor da pólvora, da revolta
As guerras de peitos abertos
As camisas que foram brancas
Cobertas de manchas - a cor do sangue.
Não compreendo as guerras
De quem mata e morre na dor das ideias
Se de um e outro lado pode haver razão
E a cor da liberdade.

Quero ver cair o sol atrás da sebe
A despedida de sombra na cegonha
Um olhar coberto no alpendre
De fios de prata .
Desculpa. Sem Goya e Manet
E quero sonhos, muitos sonhos
A luz forte das estrelas.

ai cai caím

dada a mão de semear
trocaram-ta pelo pé
cilada limpa em segunda mão



a mão caída
a língua erecta aberta
o riso magro da hiena

3 curvo

Hoje não era

flutuava de mão em mão
deslizava na curva que se demora
tanto no fundo de uma colher
para lhe entender o centro
como borda fora
do sofá à aresta da janela
e à boleia pelo azul

as curvas não têm pressa
têm pertença
alienam no recorte reiterado
de uma folha enrugada
e sabem que ondas
arqueiam e as esperam
largas no mar
até de madrugada.

mas rectas
aço a prumo que
furia de Goya a hoje
tubos de instantes
em finais entalados
entre olhos e entranhas
por não saberem curvar

alvos fáceis para o aço
as rectas
dois lados ridículos
um a olhar e outro a ver-se
lados que giram no tempo
em centros vira ventos
e jamais viram os ventos

Dois. Queria três
sem falências mil
ou excessos avessos
outra possibilidade
um ponto de outra vista
o ou sem ouro

três bicos e curvatura
para repensar a humanidade

se não tivesse três bicos
- não era -

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

"Nevermore!"Caim



Georges Braque "Aria de Bach" 1913


Caim foste e odeio-te por isso
Não o mortífero mas o vazio
De uma louca lobotomia
Um olhar parado de infinito.

Odeio-te por isso quando partiste
Nas mãos grandes de montanha
Nos pés de embondeiro
No cetim cínico da gabardine.
Levavas a gaiola de arame, branca
De lado, protegida por um pano
Onde supuz a cabeça amarela
O bico vermelho e mudo
A ausência de um amigo.

Odeio-te por isso e digo-te agora
Que estavas rodeado de corvos
A sina das aves negras
A história extraordinária
De uma janela, uma noite escura
As palavras fundas:
"Nevermore!" "Nevermore!"

Odeio-te por isso
As saudades daquele rosto
Daquele corpo imenso de planície
Sempre tão calado no olhar de sonho
Batendo tão de leve à porta
Encostada no meu mundo.
O ar franzino de poeta
E tu gozavas as calças coçadas
O veludo gasto da contemplação
Nos pés dos pinheiros, na luz das dunas
Nos crepúsculos poentes, lentamente.

Caim foste quando
Sem rugas nos colarinhos
Ordenaste a confusão das roupas
As poucas fotografias, os muitos livros
E apontaste a porta de saída
Odeio-te por isso.
Saiu tonto,pardo, louro, de tom cinzento
Arrastou as hastes de um desconforto
Nos óculos redondos e disse-te:
“Cuida da ave, obrigado irmão”
E caiu único na estrada

Caim foste.
Levou o ruído dos cacos
O pulmão desfeito dos cigarros
O andar lento dos jardins
Ao encontro dos seres pequenos
Sem juízos, sem certezas, sem caminhos.
Odeio-te por isso e nesse dia
No abraço, na despedida
Despedi-te nele a ti de mim
Qual pássaro alado de rapina.
Guardei-lhe a última lágrima
A mais pura num poema de Sophia.
Odeio-te por isso e para ti
A folha seca do castanheiro
Raiada, longa
O grande ninho de cogumelos
A ilha rodeada de espinhos
Nos casulos abertos, ocos
Odeio-te por isso
De óculos escuros no enterro
Na dor do eco das palavras
Repetidas como setas:
"Nevermore!" "Nevermore!"

Hoje partiste
levaste o cântico da ave.
Tens toda a rua molhada.
Caim foste . Já não existes.

Maria-

Spins imperfeitos

Olá a todos,

Tenho andado em rotações imperfeitas.
A velha desculpa do trabalho.
Perdoem-me a ausência.
Peço imensa desculpa à Ana Luísa pelo
sumiço sem explicação.
Mas fui apanhada pela teia do tempo, do trabalho e
das viagens.
Neste momento estou na Alemanha, em Berlim
e daqui para vocês confesso as saudades e
envio um beijinho e uma imperfeição
inspirada na perfeição:

Se me pedisses aqui
Que dissesse
Do Universo inteiro
Apenas uma asa caída
Saberia explicar-te
Com detalhe
A vertigem deste pássaro
Que me sobrevoa

Se te quisesse explicar
Com todas as pétalas
Diria que da boca cheia de flores
Jardim nenhum
Semearia mais silêncio

Se te prometesse
Verter no mundo os dedos
Como na areia da praia
Saberias que me inundas
sempre na 7a onda

domingo, 1 de novembro de 2009

Finalmente!

Minhas caras e meus caros, grupo novo e grupo antigo,

Finalmente, parece que já tenho alguma identidade... Recuperei o meu nome neste blogue. De repente, lembrei-me dele, nem sei muito bem como.

Queria lembrar que seria muito bom que as pessoas postassem os seus poemas. Falta muita coisa (por exemplo, há um só poema do 1º TPC). Não sei se têm tido problemas com a inscrição. Se sim, por favor digam. Podem enviar-me um mail (analuisaamaral@netcabo.pt) e eu tentarei resolver o problema.

Um bom fim de semana para todos e todas.

ana luísa