terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ana Luísa Amaral - Prémio António Gedeão



Ana Luísa Amaral galardoada com Prémio António Gedeão
A escritora Ana Luísa Amaral,  docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e investigadora do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa,  é a vencedora da primeira edição do Prémio Rómulo de Carvalho/António Gedeão.
O trabalho Vozes (Dom Quixote, 2011)  foi escolhido por unanimidade pelo júri do concurso,  que destaca a «singularidade e grandeza do texto». Para além de Paulo Sucena, da FENPROF (Federação Nacional dos Professores), integraram ainda o júri José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores (APE) e a escritora Lídia Jorge.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

um dia havemos de falar dos bosques cintilantes




                                    imagem daqui


um dia havemos de falar dos bosques cintilantes
sem a distância –

bosques de luz de dentro e bosques de luz de fora.
queria que todos os contemporâneos
soubessem encontrar a diferença;
o espírito dos lugares
em coisas complicadas como a metafísica dos versos
e nas mais simples que parecem não querer dizer nada
como olhar atentamente um insecto de asas vulgares
em silêncio
com toda aquela luz  à volta
de mais longe e de mais perto –

um dia havemos de falar dos bosques cintilantes
dos seus fragmentos significativos
 pendurados como bolas de natal
transparentes
como envelopes abertos depois de as palavras voarem –

um dia havemos de falar dos bosques cintilantes
e da insustentável leveza
de um imenso corpo, de rosto e lábios 
para sempre, no intangível da alma  –

josé ferreira 26 de Outubro de 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Emília

O trapézio Emília!
Tom de pele não vira, por Dignidade Emília, por Dignidade Emília!

O trapézio Emília!
Ser Bom é extravagante, é também sem perdão, sem perdão Emília!

Paul klee

Ar gasto, vértebras, mãos, pés e o resto sobre os ombros! O trapézio Emília!

O Trapézio Emília!





terça-feira, 23 de outubro de 2012


não sei o que dizer-te
mais do que uma praça de gente
de passados em passadas
novos e velhos que se cruzam
sem revolta numa praça Espanhola
na ínfima parte da luz de uma estrela
ultrapassando a informação que aqueça demasiado
e adormecendo as mãos na arte de repetir as arcadas
para acalmar o cio do ciclo
colunas e sinos para amaciar a velocidade
guardar o ritmo de bicho num som que não se entende
e se entenda feliz
não sei o que dizer-te
dou lanço a esta praça
onde sei que também moras
e moram os abraços dos olhos no fim das ruas
mais lanço até que as arcadas criem em vento
a passagem frágil entre bichos extraordinários
rastos de luz em informação
que chegue apenas para rir
e encontro sempre um mesmo ponto  
nos desvios vermelhos 
no centro das praças Espanholas
de todos em todos
um beijo parado ao sol

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Estarei ainda muito perto da luz

Estarei ainda muito perto da luz?
Poderei esquecer
estes rostos,estas vozes,
e ficar diante do meu rosto?

Às vezes,como num sonho,
vejo formas como um rosto
e pergunto:"De quem é este rosto?"

E ainda:"Quem pergunta isto?"

E:"E com quem fala?"
Estarei ainda longe de Ti,
quem quer que sejas ou eu seja?
Cresce a noite à minha volta,

terei palavras para falar-Te?
E compreenderás Tu este,
não sei qual de nós,que procura
a Tua face entre as sombras?

Quando eu me calar
sabei que estarei diante de uma coisa imensa.
E que esta é a minha voz,
o que no fundo de isto se escuta.

Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"

domingo, 21 de outubro de 2012

O Escaravelho Bocage

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.
eu, com seis anos, não conhecia o poeta Bocage. conhecia o escaravelho Bocage.
apresentou-mo o poeta Manuel António Pina.
.


sábado, 20 de outubro de 2012

Um poema para Manuel António Pina de José Almeida Silva






Homenagem a Manuel António Pina


É lá possível! O Poeta não morre!

É lá possível não ouvir a tua voz
No silêncio que te fizeste.
É lá possível não ficar triste
Ouvindo a notícia da tua morte

E ver-te ao mesmo tempo a dar
Corpo iluminado à tua sabedoria,
Que o tempo e os livros da tua vida
Teceram, e que me tocará para sempre.

Fiquei triste e com o coração sereno
Porque o teu olhar foi sempre a paz
E a serenidade de tratar bem a tudo
E a todos como os mestres da palavra
E da humanidade. Tu não partiste.

Ficaste entre nós nos teus versos
E numa poalha de ouro aspergida
Sobre as nossas vidas – a tua voz
Falando das coisas naturalmente.

A morte nada pode contra a Poesia –
                                               2012.10.19
                               José Almeida da Silva

A poesia vai acabar - um poema de Manuel António Pina




A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não acabarem).
Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei:
"Que fez algum poeta por este senhor?"
E a pergunta afligiu-me tanto
por dentro e por fora da cabeça que
tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –


Manuel António Pina

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Uma acontecimento vivido é finito...


Walter Benjamim



"Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois."

Walter Benjamim              lido aqui

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dizes-me


Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm ideias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
Se sou mais que uma pedra ou uma planta?   Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada.
Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.                       
Sim, faço ideias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, «é uma pedra»,
Digo da planta, «é uma planta»,
Digo de mim, «sou eu».
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?



Fernando Pessoa/Alberto Caeiro

In Poesia , Assírio & Alvim, ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

silêncio



por vezes pelo excesso de ruído há uma sede de silêncio
como um pêndulo, suspenso, marcando o tempo
embalando os pensamentos -

o silêncio flui e torna-se seda
os olhos fecham a cabeça pende
e em espírito
as mãos viajam, viajam por dentro, pelas artérias
como barcos em afluentes
afluentes de um rio vermelho -

o silêncio oscila de um e de outro lado do centro
e sem atrito não se imobiliza o pêndulo
não há frio nem há vento -

o tempo e o espaço soam em uníssono
e no silêncio os romanos podem ir à lua
nada é improvável, tudo pode ser pensado como único
a realidade e o infinito -

o silêncio liberta e pousa a pena e o chumbo -

a sede de silêncio
é uma urgência de equilíbrio -

josé ferreira 16 outubro 2012


segunda-feira, 15 de outubro de 2012

não há sal nem nuvens



                                 Tanya Gramatikova


o tempo como nascimento de segundos é um novo espaço
reinventado por todos os caminhos, milhares de milhões
sete dizem.
a terra é a morada física, as árvores e as raízes
o espírito ninguém o define –

quando nos deitamos no escuro ou na luz do dia
pode haver o fumo dos carros, o ar poluído
os prédios altos, a cidade e os ruídos
ou pode ser se for no campo
as asas dos pássaros, a leveza das borboletas, o zumbido das abelhas
pode ser o silêncio da natureza e o silêncio dos pensamentos
e um leito cheio de sentidos –

guardo-te na memória fluida dos rios
nos seus murmúrios quando encontram os saltos das rãs
e os voos suspensos das libelinhas –

sei que o tempo é de negrume, dizem nas notícias
mas não se apagam os olhos
quando voam, quando sonham
com horizontes de espelhos d’água
que se tornam mais mexidos quando se formam ondas
as ondas amigas –

os teus olhos estão suaves como magnólias e brilham
não há sal nem nuvens –

josé ferreira 15 Outubro 2012





                                                            

domingo, 14 de outubro de 2012

Partida, largada, fugida!

Paul klee, Le leve



Chegada!

Também se despedaçou neste tempo que deu para tudo. 

Por contínuo Sentir Romper Palavras. 

Dentro troca e acrescenta-se!                                                                                                                                                   

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

o desejo e a geometria


                            Tamara de Lempicka

acordo com a música de leonard
hoje é o dia, o dia plácido, sereno, sossegado –

o teu rosto ainda descansa no berço dos braços
um louro luminoso em raios de sol
a tranquilidade de um  sonho –

acordo calmo, na brevidade de sons de leonard
a manhã é um laço apertado, uma rotina de espaços
 migalhas sobre o mármore, as torradas  -

não sei se sais, não sei a cor dos sapatos
qual a seda que te envolve –

parto no estado encoberto
pelo interstício entre o corpo e a sombra inelutável
entre cada um dos dedos e o que os separa
parto pelo indefinível, pelo desejo e pela geometria
parto sempre
pela arquitectura da alma –


josé ferreira 11 de outubro 2012

terça-feira, 9 de outubro de 2012

o mar e as histórias mágicas



                             John Wiliam Waterhouse


o mar pode ser reinventado e ter as cores dos poetas.
pode ter a pele eriçada de ondas que se aproximam da praia
e pode ter ao mesmo tempo o sol, o céu, o vento
escrevendo  histórias mágicas
de peixes, algas  e águas
e sereias –

josé ferreira

sábado, 6 de outubro de 2012

É por ti que escrevo





É por ti que escrevo que não és musa nem deusa 
mas a mulher do meu horizonte 
na imperfeição e na incoincidência do dia-a-dia 
Por ti desejo o sossego oval 
em que possas identificar-te na limpidez de um centro 
em que a felicidade se revele como um jardim branco 
onde reconheças a dália da tua identidade azul 
É porque amo a cálida formosura do teu torso 
a latitude pura da tua fronte 
o teu olhar de água iluminada 
o teu sorriso solar 
é porque sem ti não conheceria o girassol do horizonte 
nem a túmida integridade do trigo 
que eu procuro as palavras fragrantes de um oásis 
para a oferenda do meu sangue inquieto 
onde pressinto a vermelha trajectória de um sol 
que quer resplandecer em largas planícies 
sulcado por um tranquilo rio sumptuoso 

António Ramos Rosa, in 'O Teu Rosto'

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Assinalo para não repetir

Foi como se não tivesse aprendido que não volto, deixei rasgar-me, e levantei-me todos os dias por não querer sentir quase nada.
Por terra queria deixar a mágoa, queria também viver.
Icei as velas do que tinha, pareceu pouco. Mas houve quem me disse ter tudo, quem me ama. E que me perdoem ter sido eu cruel, tentarei depois resgatar alegria para a partilhar, pois, larguei-me a deriva. Lancei-me à tempestade.
E era, é, navegar sem destino no deserto do mar. Aí eu senti quase tudo, até não ter palavras. Os dias foram noites, as noites claras como dias.
Foi como fome. Da dor, essa lâmina, sobrou sofrer. Às vezes disse, Que puta de vida. Não foi bonito, por tudo que deixou de ser bonito. Também não houve qualquer distorção.
E das vezes que chegara a ânsia de dias claros, de terra firma sob os pés, vinham também palavras à cabeça, palavras que me ditaram mal. Tenho eu de afastar certas palavras todos os dias, estou completamente só. A solidão não faz bem, ela só pode ser uma passagem.
Tem de haver a serra onde viver, por onde andar descalça sobre chão de terra, sobre chão de erva. Fazer fogueira com as tábuas, do barco partido onde correm águas do mar.
E só estou eu, para as compor enquanto tento que passe a saudade do bater do meu coração tranquilo. Caí no logro por isso esta horrível parte da viagem, a saber que é melhor não estar ninguém.
Que quero eu chegar, meu corpo largar o barco, a nado alcançar a praia, subir a serra. Desejo o calor da fogueira, gente que festeja à volta. Honrar a terra, que sou terra, para depois adormecer e acordar abraçada a quem de ser generoso.
Já estou eu... partida, largada, fugida! Por sorte não volta. Nem sei se chegará, mas dá-me tempo para conseguir seguir comigo em frente. Ainda sinto a contrariedade de não querer que estas últimas palavras sejam verdade. Ainda estou no barco, e confio que esteja só e apenas por mais algum tempo.




("dou" este escrito ao Zémanel, claro!)