sexta-feira, 30 de março de 2012

O caminho

Asas dobradas no meu jardim
Anjos caídos descrentes do céu
Parecem mudos, vestidos de breu
Inertes, brancos de um cal de morte
Jazem sem sangue ainda que vivos
Os olhos brilhantes sabem de cor o azul
O desconhecido da terra batida
A humana forma de sentir o chão
Em misto de angústia e de ilusão.
Quieto o silêncio, foge ao vago verbo
Tão vero, tão certo, tosco e insincero.
Viagem ao centro da dúvida exacta
Pura, sem corpo, de face abstracta.
Cortam-se a xizato as asas e o sol
Recortam-se as estrelas, decantam-se as lágrimas
Desdobram-se as mágoas com a fita métrica
Embrulha-se o medo em papel celofane
Um vestido novo e um longo arame
Onde na vertigem se dá mais passo
O céu lá tão alto.
É um caminhar sem asas na terra.
O levante erecto do corpo deitado.
Eis que ao percorrer o caminho incerto
As asas recrescem e o céu já perto
Sussurra ao ouvido das estrelas bebé
Já podem nascer, o novo já é.

um mar azul e branco - um poema de Sophia


Charles Curran

O mar azul e branco e as luzidias
Pedras – O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.

Sophia de Mello Breyner Andresen