sexta-feira, 8 de junho de 2012

poema em cinco movimentos sobre uma fotografia



 I
escrevi dois poemas, hoje
na esperança de surpreender o teu corpo em contraluz
na luz da janela, tocando a cortina.
ao longe o rio é um murmúrio muito lento, as searas estão sossegadas.
respira-se a densidade verde.
na mesa um  prato de porcelana, um  círculo de ouro
os restos dos últimos biscoitos
 incompletos,  de uma forma imaginária, surpreendidos
e testemunhas  
em migalhas pequenas, nas pontas dos  dedos, uma  a uma –

II
escrevi  os poemas por este momento.
não te movas, quero o tempo parado, pause.
 suspenso, como numa fotografia , um fragmento
e a melodia, a música dentro da cabeça  e uma cúpula de cisnes
um céu azul mas diferente na luz branca da cortinas –

III
o teu corpo é um poema, um mar em movimento.
não te posso explicar o meu ritmo, o batimento do mercúrio
sei que a pulsação é de perigo, sei que  bateu
bateu muito como uma campainha
as têmporas, os ouvidos
a explosão dos sentidos –


IV
se voltares junto da janela branca e da cortina
em contraluz
e olhares de uma forma longa
do lado oeste, quando o rio descreve a curva mais abrupta 
como um cotovelo, junto do bosque da tigelinha, no lugar do monge
a esconder-se e  a descer
num brilho reflectido surge, na inclinação mais forte
um lago enorme de ondas, uma imensidão infinita
um corpo enorme com mãos gigantes que recebe as águas doces
as águas de um rio -

V
levamos as bicicletas pelo caminho das hortas
junto da represa onde as rãs saltam, onde há vespas e asas grandes de borboletas.
na descida mais abrupta colocamos velas brancas e sopramos
sopramos muito com bochechas de renascimento, para chegar depressa.
para descer sem medo a escada das baías
 até ao pátio fluido das areias, a serenidade das brisas –

haverá o crepúsculo das roupas molhadas, o banho múltiplo
e ao voltarmos com pedaços de mica e restos de algas
as bicicletas ficarão inanimadas com as borrachas limpas
numa relva crescida
e entraremos em casa com uma alma sem vícios
sem joelhos duros  e de mãos macias
para lavar o sal e adormecer na luz dos vaga-lumes
intermitentes, na respiração dos troncos e cheios de raízes
pousados, muito quietos e juntos –


 josé ferreira