(diálogo entre uma fotógrafa, andando de um lado para o outro na procura do melhor plano, e um escritor no seu esconderijo secreto):
"-
Fale-me de Nova Iorque - pediu ele - já deixei de lá ir. Quando penso nas cidades em que vivi,
vejo grandes quadros cubistas- Vou dizer-lhe o que vejo.
- Todos aqueles gumes, a densidade, esses velhos tons ocres e o modo como as cidades envelhecem e nos mancham o espírito, como se fossem muralhas romanas.
- No sítio onde vivo, é verdade, a vista dos telhados é caótica, uma confusão. quatro, cinco, seis, sete pisos, com os seus depósitos de água, as cordas da roupa, antenas, campanários, pombais, chaminés, tudo o que de humano existe na parte inferior da ilha - jardins atarracados, estatuária, letreiros pintados. E eu acordo para esta paisagem e tenho-lhe amor e dependo dela. Mas está tudo a ser arrasado e varrido, para que possam construir
as suas torres.
-
Talvez em breve as torres venham a parecer humanas, uma coisa local, e subtil. Dê-lhes tempo.
- Então eu vou ali bater com a cabeça na parede. Avise-me quando quiser que eu pare.
-
Vai acabar por perguntar porquê toda essa fúria.
- É que eu já tenho o World Trade Center.
- Que por sinal, é já inofensivo e sem idade. Como que esquecido. E pense no quão pior seria
- O quê ? - disse ela
-
Se fosse uma torre em vez de duas- Quer dizer com isso que elas interagem. Que estabelecem um jogo de luzes.
-
Não seria muito pior se fosse só uma?
- Não porque o tamanho é apenas uma parte do problema.
O tamanho é mortífero. Mas
ter duas torres é como se fosse uma espécie de comentário,
como um diálogo, só que eu não sei que coisas estão elas a dizer."Don Delillo, Mao II, Relógio d'Água, 2004 (
livro publicado em 1991 nos Estados Unidos)