segunda-feira, 12 de setembro de 2011

a chegada do mar

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raquel patriarca | apúlia
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espero a chegada do mar.
espero que venha por mim e que fique,
livre da lua, do tempo e do movimento das marés.
espero que me lave a alma,
que me faça naufragar no esquecimento do mundo,
que me dispa de pecados e culpas.
espero a chegada do mar
como se fosse um pôr-do-sol
na infância ou uma madrugada
de maturidade.
espero a chegada do mar
que traz em si o amor e a vida,
que nascem em mim em laivos de fogo e de céu.
espero a chegada do mar
que me vem abraçar e que, no entre-
cortar da respiração, apaga a tristeza e
desfaz a solidão.
quero ser a terra que lhe faz de leito e
o céu do horizonte, mas sou ainda
a desfigura nublada que na margem
se mantém presa à rocha e exposta no
vento, onde espero a chegada do mar.
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raquel patriarca | setembro.doismileoito
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i am


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raquel patriarca - porto santo
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Can’t find my soul when away from you
I remain cold, sad and alone
I am a stone
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Then I see your face and my soul too
I become all that I can be
I am the sea
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raquel patriarca | doismileoito
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a memória do mar

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raquel patriarca - colagem
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há um lugar secreto
e encantado,
de onde vêm as
sereias,
com castelos
de rocha e coral
e cavalos marinhos
que patrulham as ameias.
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e as estrelas,
(que nascem das areias)
não brilham,
dançam!
são pingos de cor
nas profundezas,
enroladas em abraços
de anémonas
como as flores do campo
em cabelos de princesas.
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as baleias
falam da origem de tudo
em canções de embalar,
que ecoam –
muito longe
e muito fundo –
em cada onda,
em cada grão de areia,
em cada concha
do mar.
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é um mundo
imenso imenso.
azul e fantástico,
cheio de criaturas
estranhas, ferozes, bonitas
tubarões, raias,
caranguejos eremitas.
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vive por lá uma linha,
branca e suave,
em que o céu toca no mar,
onde o vento é eterno
e até os sonhos vêm sonhar,
como o voo lento
de uma pequena ave
no colo doce da maré,
que sempre, sempre
continua,
e sorri –
de vez em quando –
ao reflexo claro
da lua.
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raquel patriarca | vinteenovedesetembrodedoismilenove
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O homem de Imilchil

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David Minguillon | Uma família de Imilchil
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Conheci um homem em Imilchil
que não era pastor, nem padeiro nem tecelão.
E isso, por si só, dizia tudo
como se a diferença fosse o seu
traço mais definidor.
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Conheci um homem em Imilchil
que tinha uma Petri 7S de 63.
Não sabia explicar de onde
viera o objecto que lhe definia
os dias, apenas que lho tinha deixado
o pai junto com a vocação
de ser fotógrafo da aldeia.
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Vivia numa casa apertadinha que
ofereceu sem reservas ou cerimónias.
Nas paredes de terracota e
no meio dos livros e jornais
espalhavam-se as imagens de
dezenas de vidas.
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Vi um soldado em despedida, fardado,
orgulhoso e resoluto,
assustado;
uma noiva sorridente e ansiosa, sentada
com as mãos no regaço,
envergonhada;
uma tenda erguida na montanha e um
homem apoiado no cordame o rosto como
um nó;
uma família composta em pose, as
mulheres à esquerda e os homens à direita,
as crianças na frente. No fundo, em pé,
a avó.
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O cheiro dos papéis amarelecidos
misturava-se com o dos líquidos
desconhecidos e emulsões estranhas
com que as vidas se tornavam
imagem latente. O cheiro da missão
única, respeitável, grata
de guardar tantas memórias de tantas
vidas em imagens e cristais de prata.
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Perguntei-lhe se o podia fotografar.
Assentiu, alegre e generoso.
Sentou-se sobre os calcanhares
no chão a máquina pousada na coxa,
a boca séria os olhos a sorrir.
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Conheci um homem em Imilchil
capaz de reconhecer a angústia que
se esconde num sorriso, a saudade
no mais pequeno gesto, a alegria
secreta num olhar.
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Escondia um sonho secreto só dele:
ver uma fotografia do mar.
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raquel patriarca | nove.setembro.doismileonze
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para que os peixes saibam (porque os peixes também andam no mar)


Duartte (retirada daqui)


nunca por nunca de qualquer modo
quis pálpebras tristes janelas fechadas
sem asas sem aves sem árvores.
corro.corro. junto ao jardim da buganvília
à fonte da boca d'água e cara de teatro.
desço.desço. a rua inclinada
até à margem só de madrugada
de orvalho sem vivalma. e grito. grito.
para que todos os peixes saibam
que nunca. nunca por nunca
quis teus olhos tristes
os braços como espadas
os ombros altos de muralhas
e os lábios a sete chaves
sem o sopro das palavras.

José Ferreira 26 Abril 2010

Mao II - Don Delillo dez anos antes de 11 de Setembro



(diálogo entre uma fotógrafa, andando de um lado para o outro na procura do melhor plano, e um escritor no seu esconderijo secreto):

"- Fale-me de Nova Iorque - pediu ele - já deixei de lá ir. Quando penso nas cidades em que vivi, vejo grandes quadros cubistas

- Vou dizer-lhe o que vejo.

- Todos aqueles gumes, a densidade, esses velhos tons ocres e o modo como as cidades envelhecem e nos mancham o espírito, como se fossem muralhas romanas.

- No sítio onde vivo, é verdade, a vista dos telhados é caótica, uma confusão. quatro, cinco, seis, sete pisos, com os seus depósitos de água, as cordas da roupa, antenas, campanários, pombais, chaminés, tudo o que de humano existe na parte inferior da ilha - jardins atarracados, estatuária, letreiros pintados. E eu acordo para esta paisagem e tenho-lhe amor e dependo dela. Mas está tudo a ser arrasado e varrido, para que possam construir as suas torres.

- Talvez em breve as torres venham a parecer humanas, uma coisa local, e subtil. Dê-lhes tempo.

- Então eu vou ali bater com a cabeça na parede. Avise-me quando quiser que eu pare.

- Vai acabar por perguntar porquê toda essa fúria.

- É que eu já tenho o World Trade Center.

- Que por sinal, é já inofensivo e sem idade. Como que esquecido. E pense no quão pior seria

- O quê ? - disse ela

- Se fosse uma torre em vez de duas

- Quer dizer com isso que elas interagem. Que estabelecem um jogo de luzes.

- Não seria muito pior se fosse só uma?

- Não porque o tamanho é apenas uma parte do problema. O tamanho é mortífero. Mas ter duas torres é como se fosse uma espécie de comentário, como um diálogo, só que eu não sei que coisas estão elas a dizer."

Don Delillo, Mao II, Relógio d'Água, 2004 ( livro publicado em 1991 nos Estados Unidos)