terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A partir de As Meninas de Velásquez

As rendas e os tules tendem a entediar
Por isso vou até ao fundo, à porta aberta onde reluzem escadas
Que não sei onde vão dar
Trazem luz e um homem de bigode que periclita entre degraus
Por que é que o cão não ladra ou morde a anã?
Por que é que o pintor não deixa cair a paleta no veludo do vestido?
Ver num instante tudo em alvoroço, ah –
Braços a gesticular, pernas no ar, cabeças a rodar entre mãos e pés,
O espelho malogradamente partido
uma anã gigante em cima da mesa
que a roda das saias esconde
E os tapetes? Telas de Pollock.
Mas o mais espaventoso era o pintor pegar na tela
com a ajuda dos criados ou sem ela e especá-la à frente das meninas,
do cão, do espelho, da anã, da porta que dá para as escadas
de tudo. E… nada…
de repente, o esplendor –
um cavalete e a estrutura de madeira que sustenta a tela comprida e larga
Um Velásquez às avessas
Vazio e de costas ao léu

A confissão de Velásquez

A confissão de Velásquez

Jan van Eyck[1] pensava todos os dias em Picasso
Pensava tanto, tanto, tanto
Que eu tive de nascer para pintar as meninas.
Então van Eyck pôde adormecer e Picasso[2] ter meninas no seu museu.


[1] Os esponsais dos Arnolfini, 1434 – toma-se como certo que Velásquez conhecia este quadro e que se inspirou no motivo do espelho que reflecte pessoas que não pertencem à composição para pintar As Meninas.
[2] As Meninas – segundo Velásquez (Pablo Picasso, Barcelona, Museu Picasso)