terça-feira, 30 de setembro de 2008

Como um livro aberto

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – esculpidas cenas
Lâminas partidas – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – de pedra e restos
De baleias – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.

Três mil anos
É como um livro aberto
Imagem – desenhos de caçadas
Feitas de pedra – últimos dias –
Artefacto marfim pedra marcação.


2008.09.29
José Almeida da Silva

E agora José? por Carlos Drummond de Andrade

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

Tua Caixa De Segredos

Faz de teu olhar, teu olhar só meu
Só de quem o encontra em terra de plebeu
Em lua de cavaleiro, em mar dianteiro,
Em ondas de vagas luzes cuja música me encanta.

Abre-a para mim, tua caixa de segredos
Em que teu cheiro guardas, teus medos
E deixa-me voar, nadar no lacrimejar
Que libertas ao ver-me amar.

Di-lo, aflorando, clama-o,
Que meus olhos se inundem de expressão,
Que meus dentes cerrem de paixão!
Que eu te queira loucamente....

Suspira, vem meu cabelo afoguear
Vem minha mente atordoar,
Meu corpo fatalmente aprisionar
Para que te ame loucamente.

Di-lo, aflorando, clama-o,
Que meus olhos se inundem de expressão,
Que meus dentes cerrem de paixão!
Que eu te queira loucamente..

David Campos Correia

Vida Sentida

Estas sombras que me atrasam...
Este doce mar que me faz naufragar no seu esplendor!
Fumo, fumo intenso de quem bebe e de quem vive!
Oh! Vida sentida!

Que luz vejo? Que luz?
Tentação que seduz...
E alma e onda e porto que num reflexo se encontram!
E pontes de círculos e sinais...

Almas perdidas e mentes esquecidas
Que são tempo, são pó de alvorada!
Cego com um louco, cego! Infeliz que nem cão...
E mago no meu mundo que nada vira no senão!

E vejo outro pico - outro, ao longe - e viajo!
É a luz que me acorda... me devora!
Vai nascer! Renascer! Sorrateira...
É o som do novo ser na dianteira!

Ai que eu quero voar! E girar, rodopiar até mais não...
E dizer-vos que sou - o que sou -
Nesta geração de marinheiros solitários!
De corais extintos! De peixes famintos...

E mais e mais e mais!
Ângulos obtusos no areal extenso...
Rochas, folhas do mar e de sua música,
Filhas da terra e de seu mundo que é este!

Ancorados os anjos na terra...
Que de longe me acenam e fitam,
Do poente me engolem, criticam
Esta triste figura que os invoca do nada!

É um ponto negro na plenitude da vida...
Que se faz difícil mas não é!
Traiçoeira e crua, na noite da rua
É a vida que se ouve, é tua!

E é minha no dia e na manhã!
É minha no azar e na fortuna...
Dos momentos de glória e vitória
Nas sentenças do coração mestre!

David Campos Correia

E então sento-me à tua mesa



                                  Renoir



Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua sombra e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém,
teu sinal de fogo e leite repõe a força
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor.

Herberto Helder

lido aqui

Cassandra

Num sábado de oração na Sinagoga grande, o rabino disse
«O milagre não é uma laranja tornar-se cúbica, o milagre é as laranjas já serem esféricas»
Nada era melhor do que aquela pedra.
Algumas horas. Devia fazer isso com todas as coisas.
Às vezes não é preciso tanto tempo, 12 minutos a olhar para um semáforo avariado e torto e já nada é mais bonito do que um semáforo a cair!


A cidade está cheia de medo.
Nestes dias antes da tua morte, a cidade ficou cheia de medo de nós.
Os muros pareciam precisar de ajuda
Os prédios não conseguiam suportar mais os seus habitantes.



Fez-se um silêncio pleno …
Um silêncio Grande,
Como quando dez mil camiões buzinam ao mesmo tempo.




Tanta calma … Percebemos logo Tudo.
Aprender num dia mais do que no anterior
Como a minha mãe me disse, ou foi a meu filho?
O tumor está a alastrar-se a toda a cabeça! – Gritou alguém ao megafone.
Cassandra!
Está tudo a correr bem!
As laranjas são redondas ainda. Tudo é tão leve …


Queria tanto beber do teu leite.
Tu empurravas-me a cabeça e rias-te.
Acendias um cigarro.
O teu corpo era a minha casa.



Quero abraçar todos os homens e mulheres.
O Abraço supremo que abarca toda a humanidade com os braços grandes de uma mãe.
Os cantores de que tu gostavas estão agora mais vivos.
As canções na rádio sabem a leite estragado.
Calma, foi apenas o fim do mundo.
Tudo o resto continua……….


O carro funerário ia muito devagar
Foi tudo tão alegre … Uma alegria Aguda
Que entrava dentro de nós
Como uma viga de ferro a cair-nos na cabeça
Uma felicidade sufocante que ecoava pelo Universo naquele sábado de sol
Cassandra
Só um som ou uma ideia
Só uma PALAVRA



Nuno Brito, 2007

Correcção ao primeiro trabalho de casa

constatando que o primeiro trabalho de casa tem um erro de gramática, junto aqui a versão corrigida e melhorada, não apago o primeiro para que o erro sirva de exemplo.
Aqui fica a versão corrigida:


Um livro aberto
Três mil anos Aberto
Com desenhos de baleias

Um livro de marfim
Com marcação de lâminas partidas…



três mil Baleias de marfim
Restos de baleia
três mil anos caçadas em desenhos de pedra

partidas em restos de lâminas

últimos dias baleia
três mil anos baleias…