domingo, 6 de novembro de 2011
Shakespeare e a epígrafe
Charles Curran
voltaria sempre ao lugar da epígrafe
ao cruzar de olhares
às palavras não ditas:
escondem-se, escondem-se, em ruas de sombras;
ruas que escutam os sonos, os sonhos
tão aflitos de serem puros, de serem perfeitos
como naquele filme num alto de um monte
outros actores -
voltaria sempre ao lugar das praças longas
às noites miraculosas de músicas ruidosas
um pedido de dança
no meio de tantas pontes
e muitas letras no tamanho grande
fugas no silêncio sem nenhum outro ramo
como um poço fundo, uma ausência
a incerteza de algum dia subir no bico de uma cegonha
uma água de aromas -
voltaria sempre às janelas perdidas
às luas feridas na distância
aos raios de sangue na tempestade das lágrimas
ao meu caminho patético de um sofrimento de alma
porque a vida dá tantas voltas
e há círculos que se formam
que se abraçam
como se fossem as últimas horas;
um fugir de noites
em semanas escorregadias –
voltaria sempre ao som da harpa
às cordas que se encontram
dedilhadas e suaves
amplificando e extenuando o som
pelos braços do inverno como um tempo sem tempo
na invenção de inverter as setas desferidas
recomeçar o pensamento; os primeiros versos
a primeira luz, a primeira praia, o primeiro vento
o primeiro Vesúvio fluorescente, o primeiro –
lembro-me
da mesma forma que quando escrevo no presente
nunca afasto as teclas do piano, as cordas do violino
e ao mesmo tempo
os bosques e as silvas, uma corrida de mãos unidas
longe de todos os limites; um chão de pedras
uma cama de outono, uma sagração da primavera
uma cavalaria rusticana, sem mágoas e sem cinzentos
e ao mesmo tempo
as asas da borboleta, a proximidade suspensa –
voltaria, nesta hora fechada de granitos, ao lugar dos silogismos
nesta particularidade de Damásio ter provado
que Descartes era um náufrago do juízo;
não há certezas, nem tão pouco somos sofistas
procuramos o possível, o plausível
e as sementes crescem como degraus ascendentes
riscos, cores e linhas
porque a vida dá tantas voltas e é sempre autêntica
como as nascentes, onde as águas nascem
e os rios –
José Ferreira 5 Novembro 2011
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