domingo, 14 de dezembro de 2008

SOBRE O TEMA : Nascer ( Contexto do Natal )

P e q u e n o p o e m a

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu
nem houve Estrelas a mais...
Sòmente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme
bastava toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe.


( Sebastião da Gama, Serra-Mãe )

O poema morreu e não é notícia

O poema morreu e não é notícia.
Mas, porque quis a história que o poema morresse hoje,
mesmo sem ser notícia, fomos sentar-nos os dois muito quietos,
os corações lado a lado, o olhar a direito.

Tu falaste primeiro: Morto o poema,
é preciso contar ao mundo o caso dos versos agora órfãos.

Vieste depressa, há coisas que ainda dormem. Vês? Deixámos um
longo segundo para trás. O pé no travão, o travão a parar o tempo, o
tempo do som - o do outro que sem ser som vibra a desfazer
silêncios - o corpo já quieto, o fim da saia ainda
em movimento.

Sentámo-nos os dois tão quietos. Os corações lado a lado em
memória de um poema morto.

Não devias ter vindo tão cedo - disse-te. Principalmente num
encontro destes, em vulgar banco de jardim.
Mais um pouco, ter-me-ías acordado. E há questões mais pertinentes:
Morto o poema, em que língua vou falar
o sítio das coisas?

Minês Castanheira (Porto, 1983-) in Inter-cidades (2008)