domingo, 4 de janeiro de 2009

Um poema de que gosto

Também merece estar neste blogue esta poetisa contemporânea
de que gosto particularmente.
Este poema foi retirado do livro "O canto do vento nos ciprestes"




Vieste como um barco de vento abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me;e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro

onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos

que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto às margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.

1 2 3 experiência - 4 pára

.................................................."Estoy buscando una palavra,
....................................................en el umbral de tu mistério"

Amor
o poema não fala
o próximo por fim falará
.....o da estratosfera de um marajá
.....o da rua do ouro certificado de louvor
.....o da tua dor - carimbada espera
.....o da escada de emergência para o plágio da lua
Falará
não te percas neste
que persegue o de amanha
.....o do poema redondo
.....o do dom original
.....o do ovo do Colombo
.....o da canção capital
Amanha
o poema inspirado
o fado falado na lenda
.....o dos dedos prometidos
.....o dos medos falidos
.....o das emendas impossíveis
A lenda
a seguir terás a prenda
um vida como nunca antes nem nos mares
o poema seguinte ensinará
os outros contarão nos lares aos outros que estão por vir
o amor que viverás amanha
quando leres o sucessor do verso que falará por fim
.........o que os outros versos contados por outros de mim nunca

.................prontos para
.........tal
.........nunca contaram nada comparado com o de amanha cantado

.................para ti
0 poema
que não fala
o próximo o que será?
ser ou não ser
.....o de amanha.



ADENDA DO DIA 1
Odeio a ideia da ode
triunfal de um amor conservado em formol para a eternidade.
Mas tu és tão bonita.
Como és bonita!
Bonita não só de ser linda. Bonita em 365 sentidos. Em 360 (de)graus.
Comer, beber, dormir e dizer a razão do dia de seres bonita,
subir na noite as escadas até ao concreto amanha dos teus olhos.
De certo, não é nada bonito, insistentemente escrever - "és tão bonita".
Quase que é mais poético escrever que bonito é atum em espanhol.
Só que, explicar todos os dias porque o atum é bonito conserva apenas o tédio.

ADENDA DO DIA 2
Os passarinhos mesmo que não me deixem dormir nas manhas preguiçosas,
os passarinhos cantam com urgência e eu sei que
há um gosto para as coisas,
uma preguiça tambem,
e uma música que contem o gosto e a indolência,
e a minha prima vera que não diz nada e faz-se tarde para amanha.
Com este trânsito de dúvidas chegaremos tarde à cerimónia.
ADENDA DO DIA 3
...............................................................................................................
...............................................................................................................
...............................................................................................................
...mesmo assim, sabendo que nunca esteve tão perto, de algo mais que não só a adenda do dia 4.

um outro olhar...(10)










“quero acreditar…”



ao contrário do que dizem, eu continuo aqui nesta cruz e daqui nunca saí

todos fugiram,

todos me abandonaram,

todos decidiram ir atrás do meu exemplo

mas deixaram-me aqui sozinho,

tristemente sozinho


dois mil anos passaram, tão pouco para tanta mudança, tanta evolução e descoberta

agora, pergunto eu daqui do meu canto –

o que é que não terá mudado nestes dois mil anos que passaram tão depressa?

mudaram os homens, certamente; mudou o clima, concerteza

mudaram os povos, os países e as línguas; mudou tanta coisa

mas terá mudado o essencial?


com tantos saberes acumulados, com tantas experiências vividas

com tantas inteligências evoluídas

terão acabado as guerras, os ódios e as invejas?

usarão os homens melhor o tempo?

haverá mais felicidade e bem-estar no mundo?

aqui deste meu canto, onde fui deixado por todos, quero acreditar que sim


quero acreditar que não me deixaram aqui sozinho em vão

quero acreditar que a minha vida, e de tantos como eu, valeu a pena

quero acreditar em todos os que continuam a seguir a minha imagem e o meu exemplo

quero acreditar que o mundo não vai voltar a ser um espaço como este em que me encontro

árido, duro, solitário

quero acreditar


Lume brando ou Conselhos do Pai Natal em mais um dia de aborrecida distribuição de presentes

Cozinha o coração
Em lume brando
Conserva a emoção
Num jarro de formol
Clorofórmio e algodão
Amores em bando
Esses pássaros atingidos
De anestésica candura
Voam cegos pelo sol
Caem de paixão madura
Crava o pé no travão
De vez em quando

Trava o lanço da ternura
Não consintas o sentir
Que o amor embriagado
Desse sangue sem comando
Paga multa ao conduzir
Na veia e em pulso agitado
De quem cede ao seduzir
Enterra a emoção
Sou eu que mando

Dita a dura ditadura
Cava cova ou cave escura
O sentir, se sepultado vai durando

Estrelas

A lua hoje está só e cheia
As estrelas cobrem a lua de dor e cor
Eu sou só pó
Eu estou só e cheia
A lua é uma ideia minha
Daquelas grandes ideias que surgem à tardinha
Eu sou só lua e estrelas
Tu és uma ideia minha
Que surge sempre à tardinha
As estrelas não me dizem por onde ir
Na minha ambição de me perder
Nas tuas estrelas
As estrelas cobrem a lua de cor e dor
Eu estou cheia e só de ti
Terra em vaso de estrelas
Tu a flor que sobe em ar
Com um esguio abraço
Tocas a lua cheia e só

Diz Vélasquez às Meninas

Espelho meu
Espelho meu
Há algum quadro mais belo do que o meu?

O espelho em 5 tempos

Cena Um
Palco cheio.
O pintor hesita junto à luz
Olha para trás
Talvez para nós.

Cena Dois
Palco vazio.
O pintor olha a sua obra
Olha em frente.
Talvez para nós.

Cena três
Centro do palco
A menina posa e é a luz
Olha o espelho
Talvez para nós.

Cena quatro
Primeiro plano.
O cão olha para baixo.
Talvez para nós.

Cena cinco
Palco duplo
Eu olho para o quadro
Talvez para mim.