domingo, 28 de setembro de 2008

Os três pastorinhos búlgaros

Nossa Senhora não se esquece da Bulgária,
Depois da escola os três pastorinhos vão lanchar
Pães com manteiga molhados no café com leite
Leite quente – faz frio – na montanha
Muito frio na montanha BRRHh


Nossa Senhora não se esquece do povo búlgaro,
Dá-lhes frio quando é preciso e sol quando é preciso,
Quando é preciso os búlgaros também têm neve,
As ovelhas sobem a montanha seguindo os passos dos
Três pastorinhos – sobem as ovelhas, sobem as pessoas,
descem as ovelhas, descem as pessoas
descem a montanha, as pessoas e as ovelhas


Nossa senhora não se esquece da Bulgária
Aparece sempre bela e provocante aos búlgaros
no seu vestido de seda vermelha,
braços macios, não feitos de luz, mas de carne humana
ajoelham-se diante dela á sombra duma oliveira
Os três pastorinhos búlgaros


Nuno Brito 2008

Três mil anos de caçadas...

É um livro aberto...
Lâminas partidas,
Pedras...
Restos...
Desenhos, marfim e ... cenas esculpidas!
Artefacto...
Imagem de baleias,
Como marcação...caçadas!
Últimos dias de ...três mil anos...

Maria Celeste Carvalho

Exercício Um

Cenas partidas esculpidas como dias
Mil desenhos de restos -
três baleias, um livro de marcação,
lâminas e pedra feitas marfim
Anos de caçadas, últimos
É artefacto aberto - imagem

As idólatras formigas do mal

O vento frio assobia e corre dentro do osso
Voando triste de um lado ao outro do esqueleto;
Sem medo,
Percorre-o até ao arrepio,
Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos,
As extremidades violentas das pessoas dentro dos carros pretos,
Passa um barco a apitar de uma ponta à outra do crânio


A medula, a caixa craniana ressoa
Quando batida como um tambor contra os faróis de um camião
A medula, A caixa craniana,
Os ossos das mãos, os finos ossos dos dedos
A Rússia inteira com fome,
Com todos os seus dedos e articulações

A Sagrada família esculpida em açúcar
O apocalipse em braille…
As idólatras formigas do mal comem um menino Jesus de açúcar



Nuno Brito 2008

Exorcismo ao pasteleiro do século XXI

Exorcismo ao pasteleiro do século XXI


“A felicidade consiste em querer ser-se o que se é”
Erasmo de Roterdão: O Elogio da Loucura


I.


Elas dormem de mãos dadas em Minamara
As duas gémeas
Com as suas cabecitas encostaditas,
Como duas lobas com toda a fertilidade
As duas meninas ainda sem mamas
São mais braços e pernas entrelaçadas que outra coisa
Num labirinto pouco geométrico mas muito quente
uma respiração única
A febre causa-lhes um único sonho delirante:
Por toda a cidade estão a enforcar girafas no cimo das gruas.


Por todo o lado há girafas mortas amarradas no cimo das gruas
Às vezes cavalos brancos também são enforcados
As duas gémeas continuam abraçadas
Agora com uma respiração mais rápida e ofegante


As duas meninas são já uma só coisa…
O vento atira-lhes areia para a cara.


II.

Sai droga do olho de Maria
Jesus partiu-se ao meio e tinha cocaína dentro,
Os carneiros e os bois também se partiram em bocados…
A porcelana está mais assustadora
Maria injecta o caldo na veia…


III.

Não há droga no bairro chic
Hoje vais ter que injectar vinagre chic…


IV.

Poderoso vidente trabalha amarrações fortíssimas
Precisa-se cortador/a para trabalhar no talho

Dinheiro: empresto na hora sobre o seu carro e também sobre casas
Tel: XXXXXXXXXXX

Um crucifixo fluorescente e extremamente triste cumpre a sua missão
O pescador contínua sem aparecer,
os pescadores nunca aparecem


Nuno Brito 2008

No bosque do Aleixo, as musas…

Para lá do bosque do Aleixo está
o povo, filosoficamente caracterizado
dentro dos seus apartamentos:
todos abanam as línguas,
todos têm cabelos a roçar por trás do ouvido –
Quando chove no bosque do Aleixo,
as musas vêm cá fora apanhar a roupa,
Ao sábado no bosque do Aleixo um velho planta nabos
Tem cinco metros quadrados e unhas sujas –
As seringas no chão são chupadas pelos ratos
Os preservativos esquecidos no meio do bosque
Ainda com sémen desperdiçado – Os ratos vêm roer os preservativos
Para lá do bosque do Aleixo está o povo filosoficamente caracterizado
Para lá está o cinema, a filosofia, a vida!

Nuno Brito 2008

Marcação de anos

É um livro de pedra
desenhos de baleias feitas de marfim
desenhos de caçadas feitas de lâminas
cenas esculpidas
restos de imagem
Partidas

É um livro aberto
restos de dias
dias de mil e três anos
anos de três mil dias
dias como marfim
dias como pedra
dias últimos
Partidas

É um livro de restos
últimos artefactos
caçadas feitas
desenhos de cenas
um e mil
Partidas

Teresa (Almeida Pinto)

1º Trabalho para casa

No meu caso, para além do esforço para que as palavras fizessem algum sentido, tive que “lutar contra o inconsciente”, que teimava em adulterar as palavras do texto que nos foi dado pela Ana Luísa. Caçadas transformou-se em caçador, imagem em imagens e outras trocas, para que fosse mais fácil esta conjugação de singulares com plurais, masculinos com femininos, etc. Por fim, o meu “espírito picuinhas” venceu e acabei por fazer a checklist das 26 palavrinhas mágicas que se podem usar:

Aberto
Anos
Artefacto
Baleias
Caçadas
Cenas
Como
De
Desenhos
Dias
E
É
Esculpidas
Feitas
Imagem
Lâminas
Livro
Marcação
Marfim
Mil
Partidas
Pedra
Restos
Três
Últimos
Um

Livro

um livro de pedra é arte -
facto, marcação de lâminas partidas.
mil baleias de um mar -
fim como restos de anos e dias,
imagem, desenhos de cenas esculpidas.
Raquel Patriarca

A propósito das sessões…

nota prévia – a propósito das sessões que vamos tendo, lembrei-me que poderia ser interessante criarmos um espaço aqui no blogue onde pudéssemos escrever comentários… ou seja, continuar, de outra forma, a debater algumas das questões abordadas nas sessões…

Sendo assim, aqui vai…

Olá... Foi bom estar na nossa primeira sessão. Para mim que não sou da área de letras e sentindo-me apenas um simples curioso "desta coisa linda que é juntar palavras"... foi como um carregar no "pause" e partir para uma nova dimensão da qual eu gosto muito.
Posto isto, durante a sessão dei comigo a pensar uma série de coisas que acabei por não expressar...
Ia guardar para a próxima sessão mas ao ler o que a nossa formadora escreveu, pensei... e por que não agora, com palavras escritas?...
Depois podemos (ou não) voltar a pegar neste assunto...

E o que fui pensando tem muito a ver com isto que Ana Luísa escreveu...

"a palavra pode ser, ao mesmo tempo, instrumento de coerção e de liberdade"... acredito mesmo nisto, sobretudo que escrever é um acto de liberdade, que pode respeitar regras ou ser completamente anárquico, que pode ser feito por alguém que esteja muito satisfeito com a vida... ou que esteja muito insatisfeito... que pode ser para denunciar, desabafar ou simplesmente... porque sim... sem razão para ser o que é...

Sendo assim, algumas das coisas que fomos dizendo na sessão não terão procurado explicar o que não tem de ter explicação (são apenas opiniões)?... e, por outro lado, não teremos nós uma necessidade intrínseca de rotular?... o poeta tem de ser isto ou aquilo, para se escrever bem é preciso isto e mais aquilo...

Será errado pensar-se em poesia como um acto de liberdade, totalmente anárquico, sem necessidade de ter regras, explicações ou razões para ser o que é?...

Como eu gosto de Fernando Pessoa!...

"Não tenho ambições nem desejos.
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho."

Nuno CA