sábado, 22 de outubro de 2011
Tenho mil irmãs para amar sem palavras - José Luís Peixoto por Raquel Patriarca
Tenho mil irmãs para amar sem palavras.
Tenho aquela irmã que caminha encostada
às paredes e sem voz, tenho aquela irmã de
esperança, tenho aquela irmã que desfaz o
rosto quando chora. Tenho irmãs cobertas
pelo mármore de estátuas, reflectidas pela
água dos lagos. Tenho irmãs espalhadas por
jardins. Tenho mil irmãs que nasceram
antes de mim para que, quando eu nascesse,
tivesse uma cama de veludo. Agradeço com
amor a cada uma das minhas irmãs. São mil
e cada uma tem um rosto a envelhecer. As
minhas mil irmãs são mil mães que tenho.
Os olhos das minhas irmãs seguem-me com
bondade e, quando não me compreendem,
é porque eu próprio não me compreendo.
Tenho mil irmãs a esperar-me sempre, com
silêncio para ouvir-me e para proteger-me
no inverno. Tenho aquela irmã que é uma
menina que sai de casa cedo para chegar cedo
à escola e tenho aquela irmã que é uma
menina que sai de casa cedo para chegar cedo
à escola. Tenho irmãs como música, como
música. Tenho mil irmãs feitas de branco.
Eu sou o irmão de todas elas. Sou o guardião
permanente e incansável do seu sossego.
Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs.
Eu tenho de ser feliz pelas minhas irmãs."
José Luís Peixoto, in Gaveta de Papéis lido aqui
Exposição no espaço Anémona - Marta Emília
Seria pintura se não fosse recorte...
O Espaço Anémona traz à cidade do Porto uma das mais importantes artistas de arte contemporânea brasileira. Marta Emília tem modificado, ao longo de mais de uma década de trabalho, a produção artística no Brasil: num país em que o mundo associa arte contemporânea ao eixo Rio de Janeiro – São Paulo, a artista plástica leva as atenções para o Nordeste, região com a maior amálgama cultural do país, ao fazer de sua arte a miscelânea entre o que há de mais recente no design e as mais intrínsecas tradições culturais.
Muitas dessas tradições têm origem portuguesa, como os bordados e as rendas. Marta Emília “tece” seus quadros com papéis A4 pintados com tinta acrílica e recortados em formas geométricas minúsculas. O resultado são grandes painéis com um efeito metonímico excepcional: o que encanta não é somente o trabalhoso ofício de recorte e colagem, mas indubitavelmente a capacidade única dessa artista ao criar dimensões e espaços geométricos utilizando a disposição das cores no plano. É como colorir o movimento e fixá-lo no momento necessário para que cada parte construa a dimensão óptica que encanta o fruidor.
Marta Emília consegue apreender elementos locais e depois desenvolve uma linguagem própria que alcança dimensões universais. Esse é o maior valor do artista: quando ele cria instrumentos que permitem produzir obras de arte universalizadas, numa linguagem que dialoga com outros povos, sem olvidar das cores, das formas, da identidade cultural própria do artista.
Em exposição no Espaço Anémona - Trav. Cedofeita, 62 - Porto, até 28 de Outubro.
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