quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Quotidiano (Reflexão)



Malevitch "De manhã depois da tormenta na aldeia" 1912

Por exemplo, as coisas que faltam neste lugar:
uma enxada para que as mãos não toquem na terra,
um ninho de pardais no canto da relha,
para que um ruído de asas se possa abrigar,
um pedaço de verde no monte que ainda vejo,
por detrás dos prédios que invadem tudo.


Mas se estas coisas estivessem aqui,
também faria falta um copo de água para ver,
através do vidro, um horizonte desfocado;
e ainda os restos de madeira com que,
no inverno, é costume atiçar o fogo
e a imaginação que ele consome.

Como se tudo estivesse no lugar,
pronto para ser usado na data prevista,
sento-me à janela, e fixo a única coisa
que não se move:
o gato, hipnotizado por um olhar
que só ele pressente.

Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"

Menino


Henri Cartier Bresson

Onde estão os sinos
a procissão
as solenes manhãs de Domingo
na prece, na devoção?

Quero ser de novo menino
de calção
meia branca
e o missal de capa preta
na mão!

Não quero crescer!
Não!