sexta-feira, 16 de julho de 2010

O convite ao convite




I

Interessa-me fotografar a mobilidade do convidado,
fazer uma biopsia aos seus passos pela tradição
menos frequentada por mim

equipá-lo de uma cronologia compatível com o seu talento
para me diminuir

talvez um escafandro elegante e um desnecessário calendário omisso
o ajude a respeitar
um calafrio na cave que o come vivo
como um viveiro electrónico de instantes
com necessidade de recarregamento rápido
e actualizações várias
e sem acesso à sua palavra-passe
tamanha é a falta de rede nos subúrbios do êxtase,
nas vésperas do veredicto.

Quero um convidado à sombra da sua desproporção
constante e crucial.
Convicto do pouco tempo que lhe resta para aceitar
o convite, preparar-se rapidamente para a festa,
e sair de lá sem nenhuma garantia de lá ter estado
convicto.

II

Recordo que também eu sou um convidado
e tenho uma cronologia fomentada por interesse
alheio, elíptico e prolixo.

A desproporção amamenta o meu tempo derramado.
E sou obrigado a aceitar os acenos da inércia
quando não te tenho por perto
para voltar a afastar-te de mim.

Nasci de uma estrela teórica
na manhã programada
para nunca existir
a não ser
sempre
em Não Existir.

Uma insólita primavera nas unhas mascara,
de facto, uma doença rara nas raízes.

Somos, então, pelo menos, dois convidados.
Um deles com acesso à região do princípio.
Outro à do fim.

Sim, porque um dos convidados tem o dom
de poder também receber convites
e sms’s do infinito.

Um convidado não existe sozinho,
nem o amor pode ser democrático
por delicadeza,
por isso,
alguém precisa de alguém, e que esse alguém
lhe dirija por uma vez que seja um convite preciso
e que esse convite sobressaia
na monotonia monoteísta do presente
como um convite à ofensa
com um sistema de absolvição à distância
de um convite.