segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

há coisa de meia hora


Pierre Renoir 1880


sentei-me aqui há coisa de meia hora
porque pararam os ponteiros na cabeça
como uma corda mal enrolada, a tropeçar
a tornar lentos de tão lentos os segundos
há coisa de meia hora, digo, mais ou menos

de olhos fixos no espelho de prata
cor de prata acima do olhar, reflectindo
riscas , linhas paralelas de uma cortina
e outras linhas da janela, e vidros
vidros inteiros, também eles reflexivos.

as mãos rodam nas rótulas e depois param.
dói-me a cabeça.
as mãos rodam à volta do peito e depois param.
dói-me a cabeça.
as mãos rodam à volta das têmporas e depois param.
dói-me a cabeça.
depois pára o tempo, os ponteiros, o relógio, a cabeça
e permaneço imóvel com os braços cruzados sobre os pesadelos.
há mais de meia hora.
dói-me a cabeça.

subitamente, enviado de um pôr-de-sol laranja
um raio mais forte toca a superfície do espelho e obriga a fechar os olhos.
há algumas tremuras como massagens invisíveis nas arduras da nuca
e ao mesmo tempo um sono de dor, suave e lento, um sossego

e adormeço sem ruído, o rumor avariado da cabeça -