domingo, 8 de fevereiro de 2009

O prisioneiro da liberdade

Não é suportável todos os dias
a gota pinga a alma ferida
o negrume tão escuro de uma vida
putrefacta de destino. O não sentir
a pele amiga que nos cobre e amacia.

Dez anos de exílio na escura prisão
grades de quem ousou denunciar o
opressor. Entrega ingénua de liberdade
a própria, una, pura, princípio singular
de cruzada, sina frágil. A dor só
que gira na roleta dos duros cardos
permanente e forte, imensa tortura
na rotação de globo, cela profunda.

Quatro paredes medidas de mãos
junto ao catre- dez por cinco palmos-
vinte livros ao alto um copo de lata
a janela de carvão uma algema desenhada.
Luz de velas em escada de ceras
o espelho torto de tábua na moldura
um prego e um nagalho discreto
o prisioneiro à solta olhos fechados
a alma ferida na almofada.

A terra do nunca

Mais um poema do Nuno Júdice um poeta que muito admiro desde que me chegou às mãos o livro "Cartografia de Emoções".
Hoje deixo-vos um poema que vem publicado num livro oferta com o Jornal de Letras. Chamou-me à atenção o nome e o síndrome "Peter Pan" que por vezes me seduz no desejo de elevar um pouco os braços e em magia de "Sininho" tocar as estrelas, conversar na Lua e espreguiçar-me coçando lentamente os olhos aos primeiros raios de Sol, ou seja cobrir-me de um sentir de girassol na direcção exacta da Luz.



A terra do nunca

Se eu fosse para a terra do nunca,
teria tudo o que quisesse numa cama de nada:

os sonhos que ninguém teve quando
o sol se punha de manhã;

a rapariga que cantava num canteiro
de flores vivas;

a água que sabia a vinho na boca
de todos os bêbedos.

Iria de bicicleta sem ter de pedalar
numa estrada de nuvens.

E quando chegasse ao céu, pisaria
as estrelas caídas num chão de nebulosas.

A terra do nunca é onde nunca
chegaria se eu fosse para a terra do nunca.

E é por isso que a apanho do chão,
e a meto em sacos de terra do nunca.

Um dia quando alguém me pedir a terra do nunca
despejarei todos os sacos à sua porta.

E a rapariga que cantava sairá da terra
com um canteiro de flores vivas.

E os bêbedos encherão os copos
com a água que sabia a vinho.

Na terra do nunca, com o sol a pôr-se
quando nasce o dia.