Usava roupa como a noite escura
Voltava a tempo do telejornal
Passava pelos rostos com candura
Sonhava em morar na marginal
Pintava a cara logo de manhã
Subia a saia como quem procura
No pescoço a velha marca da maçã
No peito um só rasto de ternura
Soltava a dor só pela ranhura
Prendia o olho de escorrer de sal
Fingia ser actriz de uma aventura
Diferente ou de frente e tal e qual
Sorria os lábios feitos de amanhã
Tardava um sorriso ao fim do dia
Trincava quatro amores e uma maçã
Trazia restos de uma noite vazia
Foi vista última vez no tal café
Cruzava a perna em laço de presente
E antes que alguém dela desse fé
Gastou-se no meio de toda a gente
Vertia roupa como a noite fria
Trazia os lábios postos na manhã
Despia a saia como quem queria
Adão e a velha marca da maçã
Brindava à dor só por mais um dia
Fechava o olho a escorrer de sal
Pisava os restos com melancolia
Pintava a cara no último ritual
Mordia os beijos gastos no divã
Tardia num sorriso inacabado
Tomava quatro amores e uma manhã
Soltava a dor com cheiro a guardado
Foi vista última vez com o tal batom
Atava a perna em laço de presente
E antes que alguém emitisse um som
Calou-se no tal café de tanta gente