terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ajax ou deus pastoral

Um lugar para a sede
onde não haja
Água – só desejo de a ter
e por isso Vínculo,
Só as saias da Sede
Que alguém desenhou
 a subirem devagar
Uma mão de homem – sede do seu joelho
Sobe as coxas – a mão
Procura a parte mais quente da sede,
Todo o corpo pede novas formas de beber
Entre as pernas da sede - o homem lambe o seu sexo
A saia curta, ficou à cinta, por baixo dela a cabeça
O homem lambe a sede – ambos são seres personificados
A cuequinha de algodão para o lado
Pode ser no Miradouro do Adamastor
onde Churchill pediu para sair do táxi - olhou para a nuvem com a boca aberta
bebeu um bocado da chuva - mas queria beber a nuvem toda,
como disse o taxista cheio do Sonho Americano, se eu fosse homem
estava agora com uma erecção só de ver Churchill a olhar para Almada
enquanto os submarinos passam o Canal da Mancha - Todos os ministros no Bunker,
 ele foi comprar charutos a Picadilly -
deve estar a chegar, não deve estar em Portugal a beber nuvens -
O Fim da Guerra precisa dele - e a Paz também precisa dele
 Com a boca cheia de chuva olha para Almada (para o ponto onde vai estar  o Cristo Rei,
está lá só um homem que é uma estátua de sono - substitui-se por outra estátua
mete-se uma saia - Relva na cabeça, um bocado de gel - e vira-se a estátua para a América




Não existem eles nem nós – se virmos o desenho que faz
no espaço-tempo este prazer, por baixo da saia-
O tornozelo-sede – os dedos-sede, sem filtros
Ligados por um fio de Mão Aberta – a mão sede onde dorme um helicóptero
 um insecto suicida que choca com outros no ar quando há fogo cruzado -
tenho medo porque tenho mãos - a nossa Possibilidade incluí essa Voz
que nos chama


Antes de entrar no táxi     
Churchill olha para o relógio - seis e meia - Portugal a acordar - vê as traseiras de uma pastelaria
espreita pelas frinchas - Vê os pasteleiros com as grandes seringas culinárias
a injectarem o creme dentro das bolas de berlim e dos eclaires, dos outros bolinhos
como o mais perverso voyeur da indústria alimentar
espreita os pasteis de nata a saírem do forno - todo ele treme de euforia ao ver os bolos de arroz
a serem amassados, os bolinhos húngaros de chocolate e manteiga,


***

A mão da sede, em jeito de abandono pede ao homem:

Traduz o meu corpo para a linguagem dos rios,
Se me queres dar um prazer verdadeiro, traduz tu
Ajax ou Deus Pastoral
Que sabes todas as línguas
Que estás entre todos os povos,
Traduz tu Ajax ou Deus pastoral
A minha sede em água
As linhas da minha vida em rios
Da minha medula faz nascentes de ribeiros frescos
(Põe dois pastores em cada lado) e um guarda-rios
Mais a sua família feliz e o doce lar em que habitem
E que eles velem a minha descida pelas montanhas,
Desço por ti, fertilizo-te a terra
                                                dos meus joelhos faz barcos,
                                                Das rótulas as velas, dos ossos dos dedos: canoas
O tronco seco
E do meu sopro os que nela andem e que neles remem,
que os aldeões vejam o rio engrossar o seu leito
na medida proporcional da sua sede
E na medida proporcional da sua sede abram poços,
Traduz pois Ajax ou deus pastoral os meus olhos negros
em poços fundos, para que eles venham com os seus baldes
beber-me um pouco mais
E a sede que sou eu esteja neles e que a procura que é a sede
E és tu e todos, esteja entre nós,
Fontes límpidas de Minos, rio seguro que nós somos
A descer contínuo, no fundo deles põe um mar
Tradu-lo do leite do meu sexo quando me lambes e dás prazer
Ajax ou deus pastoral – tu tradutor que me lambes
Vês agora o mar que criaste do teu desejo
Vês essa onda que te molha os pés, coalha-se em espuma
É só uma onda que ri
um pouco atrás no paredão
num banco atrás dos namorados
alguém me desenhou para velar por ti


                                                              Nuno Brito