
(...)
Quero sentir brotar a espiga do universo
Tenho o sublime instinto da chuva e do fogo
Fecundo a terra e restituo à luz
O leite dos seus anos férteis em milagres
E devoro e alimento o esplendor do céu
Apenas temo a sombra atroz do silêncio
Pronuncio pedra e aí se aninha a erva
Aí se reflecte a vida excessiva e móvel
A penugem de um pássaro é musgo no granito
Uma débil trepadeira devora um muro de pedra
O canto do rouxinol diminui a noite
Presa do alto a baixo em minha voz flexível
A floresta aglutina-se ou então entra em férias
Ravinas e pântanos em minha voz renascida
Aligeiram-se como um corpo que se despe e canta
Mares planícies desertos nasce o dia na terra
Vitoriosa aventura das cores dos sabores
A flor é o fermento da minha língua faladora
O tempo não passa quando o ruído cintila
E refaz cada aurora com o nome de uma flor
(...)
Paul Eluard, Algumas das Palavras, Trad. António Ramos Rosa e Luiza Neto Jorge, Dom Quixote, 1977