quarta-feira, 20 de abril de 2011

o boletim do tempo anuncia aguaceiros




eras gordinha, redondinha e tinhas cabelos amarelos.
adolescias no olhar brilhante as dezassete primaveras
e escrevia-te poemas de métricas tortas que falavam de violetas,
as mesmas que tirava dos canteiros
e enfeitavam as dobras das cartas, as dobras dos livros,
as dobras dos segredos.

rodávamos as línguas e passeávamos de mão dadas
junto ao mar, na largura azul da foz
no perímetro de um semicírculo de rochas, molhando os pés
e comíamos croissants ou gelados, ou outros tantos pecados
que lamentavas.

nunca tive dedos grandes de pianista
nem um lago claro no redondo dos olhos.
os cabelos eram negros, agora não -
e os dedos, sim os dedos, por vezes
subiam a montanha dos teus seios
e demoravam-se -
no escuro das salas cheias de cinema,
no pormenor branco das rendas,
nas partes lisas, nas sedas ligeiramente subidas;
e demoravam-se -
no encontro bem sucedido das íris
enquanto um filme,
sem interesse.

o eléctrico era o dezassete ou o dezoito
descia nas tardes suadas a inclinação ousada da Avenida,
sempre apinhado, na espera de um toque no cordão, a campainha,
a viagem lenta, metálica, a música alta dos carris, constante -
não me importava. pousava o queixo no dourado dos cabelos
e oscilavas o rosto, encostavas a face ao lado dos ombros -
e sabíamos. sabíamos da fonte e do rio. os ruídos. as batidas.
as casas eram bonitas, de quatro cantos , rodeadas de árvores:
quando for grande. quando for grande.

usávamos sempre calças de ganga e botões apertados
ou desapertados, conforme os dias:
é verdade, tinha uns calções justos de faixa laranja
e usavas a tentação de um bikini, uma prisão às riscas,
que vestias.

foi há muito tempo. foi há muito tempo.
foi agora. foi agora mesmo.
dentro da minha cabeça.
caíu uma trovoada esta noite. a temperatura é boa
mas o dia é cinzento e o boletim do tempo anuncia aguaceiros.
por vezes chove -

José Ferreira 20 Abril 2011