sábado, 12 de dezembro de 2009

Poema


Stéphane Poli "Ilha de Moçambique" 2004

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca.


Mário Cesariny
in Pena Capital
Assírio & Alvim, 1999

Em Copenhaga


Paul Klee "Quadro de cidade com pormenores vermelhos e verdes" 1921



“ Em Copenhaga...” - o cabelo louro.
as frases de ritmo lento.
aqui e ali a palavra inglesa:
“How do you say?...” o pequeno lapso
o espaço de uma recordação -
o olhar brilhante.

Quando se descobriam horizontes
sem GPS, a esperança do monóculo
que descia a lente redonda
o mais próximo diâmetro
na procura, na descoberta : “Eureka!”
(“...já vejo terras de Espanha ...”areias da Dinamarca).

“Em Copenhaga...” - o olhar brilhante
o cabelo louro e uma mesa metálica
desengonçada, na perna mais curta , torta
o tampo raso, ralo onde sobrevive o copo
o álcool, o malte e o sotaque.

“ Em Copenhaga...” - o rosto em fios
uma cortina e o pára-brisas
as mãos, gestos na face afirmativa
inquieta, insilente, incisiva na defesa
de súbitas e ambientes melhorias.

“Em Copenhaga...” - muita polícia
a insanidade climática e fria
de quem decide sem pertença
uma outra cor, a impossível
se vazia e branca a cor do colarinho
se mais escura a cor verde
no balanço medido de um tempo
de dióxidos, oxigénios e carbonos
que viajam de Concorde
entre Amazónia e Nova Iorque;

“Quem me dera uma ilha e uma horta”

“Em Copenhaga...” - incipiente e sem saída.
Não há memória de Quioto.
Sólida só a ausência pura do ar
e a esperança de um olhar brilhante
de um cabelo de ouro
que recomeça a história:

“Em Copenhaga...”